segunda-feira, 3 de maio de 2010

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sexta-feira, 30 de março de 2007

Síndrome do Burnout - nova doenca atinge 60% dos professores

Surge mais uma doença do fim de século.

É a síndrome do Burnout, uma expressão inglesa que significa "perder energia".

Ela atinge diversos profissionais que trabalham diretamente e excessivamente com outros seres humanos.

Os professores formam uma das categorias mais atingidas pela doença. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), realizou uma pesquisa com 52 mil profissionais da área em 1500 escolas de todo o país.

A principal constatação foi que um terço dos professores apresentam sintomas da Síndrome de Burnout. "Entre todos estados, o Paraná é o que apresenta o índice mais elevado da doença", disse João Ivo Caleffi, diretor de Políticas Sindicais da APP-Sindicato.

A exaustão emocional se caracteriza pela sensação da pessoa "não poder dar mais de si mesmo'", perdendo energia com esgotamento físico, psicológico e fadiga.

A despersonalização, outra característica da Síndrome, é identificada por maio de atitudes especialmente frias e distantes para com os colegas e publico em geral.



A pesquisa

Segundo a pesquisa, o Paraná apresenta um índice de 32,9% de prof. com alto ou moderado índice de despersonalização. A media do Pais é de 28,5%.

Em relação ao índice de profissionais com alto ou moderado índice de exaustão emocional, o Paraná apresentou 60,2% contra uma media nacional de 53,5%.

A própria APP - Sindicato vem levantando as causas que estão prejudicando os professores paranaenses. Caleffi aponta a falta de hora-atividade e a superlotação nas salas de aula. "O ideal máximo. Hoje trabalhamos com uma media em torno de 30 a 40 estudantes por sala".



Outras causas

As implantação da hora-atividade ajudaria a reduzir o conflito entre o trabalho e a família. Uma autonomia pedagógica também possibilitaria que o educador retome o controle sobre o trabalho.

Caleffi lembra que os professores trabalham numa tensão emocional constante, atenção perene, com grandes responsabilidades. Alem de tudo, o profissional é vigiado a cada gesto no trabalho. "O trabalhador se envolve afetivamente com seu publico, se desgasta e num extremo, desiste, não aguenta mais, entra em Burnout".

Alem dos educadores, a doença vem atingindo profissionais da saúde, policiais, agentes penitenciários e outras categorias que relacionam diretamente com o publico por tempo prolongado.

Para o sindicalista, é difícil apontar alguma saída para esse problema "numa sociedade que adotou o individualismo e o mercado como únicas possibilidades para o ser humano".



Sintomas

Burnout foi um conceito que surgiu na década de 70 nos Estados Unidos. A síndrome surge, segundo especialistas, como uma resposta ao estresse crônico no trabalho, integrado por atitudes e sentimentos negativos sobre as pessoas com as quais se trabalha. Essa relação também atinge o próprio desempenho profissional. E o momento em que a pessoa esta "emocionalmente esgotada".

Os sintomas podem repercutir em forma de enxaquecas, alterações cardio-respiratórias, gastrites, ulceras, insônia e outras alterações psicossomáticas. Tudo isso aliado a queda da produção sistencial, absenteísmo e até abandono de emprego.

O distanciamento afetivo, sentimento de alienação, impaciência, vontade de abandonar o trabalho, ansiedade, sentimento de solidão, dificuldade de concentração e depressão são alguns indícios que podem levar a pessoa a Síndrome.



Fonte: Marcelo Bulgarelli, Diário do Norte do Paraná, 31 de agosto de 1999, p. 3

Transgênico confunde e causa polêmica

Marcelo Bulgarelli/Equipe O DIÁRIO

Transgênicos ou não transgênicos. Eis a questão. O assunto é tema de debates calorosos tanto no campus da UEM como nos botequins que circundam a mesma universidade. Professores falam dos prós e contras nas salas de aula, enquanto botequeiros chegam a afirmar que a fórmula de uma nova cerveja contém cevada transgênica.
Se o assunto é novidade pra você, se prepare: a biotecnologia, quer queira ou não, é uma realidade nesse início de século 21. É um momento de mudanças nas regras do jogo da biologia. Isso mexe na saúde e no bolso de todos.
Primeiro passo, é se acostumar com a sigla OGM, isto é, Organismo Geneticamente Modificado. Ou, se preferir, diga transgênico. Afinal, essa é a palavra da moda principalmente no que se refere à soja transgênica. E não pense que tal semente está longe das prateleiras dos supermercados. Diversos produtos contem matéria prima transgênica, embora esse detalhe ainda esteja ausente dos rótulos.

MEDIDA PROVISÓRIA
A noticia foi destaque na mídia durante a semana: o plantio desse tipo de soja foi autorizado, através de Medida Provisória, unicamente para a safra que começa a ser plantada em outubro. Em breve, o Governo Federal deverá enviar um projeto de lei ao Congresso Nacional para regulamentar a questão da biotecnologia em todo o país.
A liberação divide opiniões no Paraná, o principal estado produtor de soja tradicional do país. Tanto os que defendem e os contrários ao plantio de transgênicos são obrigados a debater diversas questões inerentes a novidade, englobando o lado comercial, social, legal e biológico. No último caso, está em questão a saúde do consumidor.
O governador Roberto Requião já se posicionou. Acha “uma tolice” a idéia de tentar identificar a soja transgênica da tradicional. Como a transgênica é dominante, dificilmente os portos poderiam separar os grãos porque ambos tipos de soja são misturados nos silos. E esse é apenas um dos argumentos.

RASTREAMENTO
Para o presidente da Cocamar, Luiz Lourenço, será possível rastrear a soja, plantando as duas variedades (tradicional e transgênica) na mesma região e manter separadas na colheita, armazenamento e processamento. As mudanças e instalações necessárias, principalmente no armazenamento, devem ocorrer assim que produção de transgênicos passar de 1 %.
A Cocamar aprova os transgênicos. A intenção é levar alternativas ao produtor, tanto para o plantio da soja tradicional como da transgênica. Caberá ao consumidor – interno e externo - definir qual o tipo de produto a ser comprado. Admite que o rastreamento da soja transgênica é possível, mas não será fácil.

RASTREABILIDADE
A rastreabilidade da Cocamar consistiria na venda da semente ao produtor e o acompanhamento desde o plantio até a colheita, sempre separando a soja tradicional da transgênica. Quando a soja está misturada no campo, a separação somente poderá ser feita no momento da entrega.
Neste caso, um teste pode dizer se há soja transgênica na entrega, mas ele não revela qual a quantidade, se é de 1% ou 60%. Para saber o percentual certo, o teste demoraria cerca de 15 dias. Isso é impossível para uma empresa como a Cocamar que recebe até dois mil caminhões do produto por dia no período de colheita.

RESISTÊNCIA
Lourenço divide a questão dos transgênicos entre o lado científico e ideológico. No primeiro, garante que não há nenhuma restrição pelos grandes órgãos de fiscalização mundial contra o uso de transgênicos. Já a discussão ideológica se calca nos posicionamentos de Organização Não Governamentais (ONG).
O presidente da Cocamar entende que essas ONGs trabalham pra impedir o crescimento da agricultura em paises subdesenvolvidos, deixando as terras para reservas indígenas ou ecológicas. Estariam, segundo ele, a serviço de terceiros para impedir a competitividade do Brasil no mercado internacional. “ O WWF (famosa ONG de defesa do meio ambiente) pertence a casa de Windsor que tenta há muitos anos a hegemonia do mundo”.

MONOPÓLIO
Em relação às criticas sobre o monopólio da soja transgênica por uma empresa multinacional (Monsanto), tais observações acabam “menosprezando” a inteligência do produtor. “Hoje se planta soja tradicional. Alguém que hoje planta a tradicional trocaria por um monopólio? É claro que não. Porque haverá paralelamente a tecnologia tradicional e a tecnologia de Roundup Ready (desenvolvida pela multina-cional Monsanto)”.
Ou seja, aquele produtor que não quiser obter algum ganho, pode voltar tranqüilamente para a cultura tradicional. “A Monsanto é a primeira multinacional com a tecnologia ,mas temos muitas outras que serão ofertadas ao mercado. Nenhum produtor vai optar em pagar mais para produzir menos. Quem opta pelo transgênico é porque é mais produtivo, mais fácil de ser trabalhado”.

PREOCUPAÇÃO
A Cocamar pretende fazer a rastreabilidade, mas tem dúvida se há comprador para o produto transgênico. “A prática mostra que hoje você tem um produto não transgênico certificado, mas o preço é o mesmo. Tem mais comprador, mas paga a mesma coisa. Se você quer um produto diferenciado, deveria pagar mais por ele”.
O chefe regional da Secretaria de Abastecimento e Agricultura (Seab), Renato Cardoso Machado, também defende a rastreabilidade, mas acredita que não haverá semente transgênica suficiente. Sua preocupação maior é que o Paraná está comercializando bem a soja tradicional, conseguindo um bom preço no mercado externo, superando os Estados Unidos em exportação.
Portanto, a liberação da soja transgênica o preocupa. “Os Estados Unidos estão interessados na liberação de nossa soja transgênica. Meu medo é que eles passem a produzir a mesma soja se favorecendo do subsídio deles, no futuro. Se todos os países tiveram somente soja transgênica para vender, vamos ter que competir com os Estados Unidos e os subsídios”.
E sobre a rastreabilidade, Machado acredita que haverá dificuldades técnicas e operacionais nesse acompanhamento. Isso inclui a comercialização, a colheita, o transporte e o armazenamento. Portanto, ainda é cedo para detectar como será a reação dos produtores e compradores.

CRÍTICAS

A polêmica sobre os transgênicos é acompanhada de perto pelo diretor municipal de Agricultura, Élson Borges. Ele não emite opinião como membro da administração municipal, mas na qualidade de engenheiro agrônomo pós-graduado pela UEM e especialista nas culturas orgânicas e alternativas de baixo custo.

Na área econômica, a soja transgênica estaria perdendo mercado no mundo pois os consumidores europeus e japoneses estão optando por produtos naturais, como a soja tradicional. Querem ter opção de compra diante do domínio de mercado pelos transgênicos. O Brasil perderá mercado se abandonar a cultura da soja tradicional.

O Rio Grande do Sul, estado que planta ilegalmente a soja transgênica, não estaria conseguindo mercado para esse produto. Bem ao contrário do Paraná. Assim, o Brasil já trabalha, na prática, com os dois tipos de soja.

Outro fator econômico é que a Monsanto controla 90% das sementes transgênicas do mundo e os brasileiros não possuem sementes certificadas para plantar. No total, são cinco grandes multinacionais por detrás dessa tecnologia.Com essa lógica, Borges acha uma balela quando falam que os transgênicos poderão acabar com a fome do mundo.

Ocorre que a produção mundial de alimentos já seria o suficiente para acabar com a miséria no terceiro mundo. O problema se concentra na distribuição dessa riqueza e não se espera que isso seja resolvido pelas multinacionais.

Borges também não aceita o argumento de que o plantio da soja tradicional se torne oneroso no futuro, em relação ao produto transgênico. “A soja transgênica aparenta ser vantajosa para o produtor em curto prazo. O Rio Grande do sul produz 2,4 mil quilos por hectares desse tipo de soja. O Paraná, com a tradicional, produz até 3 mil. Essa produtividade compensa”.
É certo que nos primeiros anos, se aplica menos herbicida na soja transgênica, mas a natureza tem mecanismos de compensação. “Com o tempo, é possível que ao invés de diminuir a aplicação de herbicida, o produtor tenha que aumentar a aplicação diante das modificações naturais. Quando você mexe na cadeia e elimina um ser da natureza, outro o substitui. Muitas vezes com prejuízos para a atividade humana. Sempre foi assim”.

A médio e longo prazo, a liberação da soja transgênica no Paraná vai atingir principalmente os pequenos e médios produtores rurais. Os produtores vão perder o domínio sobre aquilo que é fundamental para a agricultura, a semente. Como categoria social, eles ainda têm um domínio relativo sobre elas.

“Os transgênicos vão acabar com os pequenos produtores pois eles terão que comprar as sementes a cada ano”, afirma. As perdas levarão os agricultores à dependência da multinacional, inclusive os grandes. Hoje, alguns pequenos produtores têm condições de produzir, dentro de um limite legal, a semente tradicional.

Borges também desconfia que os alimentos transgênicos podem causar algum dano a saúde do consumidor. “Comemos arroz há 15 mil anos e a soja transgênica é algo não natural. Deus perdoa sempre, a natureza nunca. Se existem dúvidas, por que não esperamos mais 10 anos?”.

SEM PROBLEMAS

William Mário de Carvalho Nunes, diretor do Centro de Ciências Agrárias da UEM, tenta desmistificar a questão dos transgênicos. Tanta celeuma esconde questões econômicas, mas sob o ponto de vista científico, ainda se desconhece se haverá algum malefício provocado pela semente modificada geneticamente.

O princípio da transformação feita nessa soja, é a proteína de um gene (PPSPS) proveniente de uma bactéria do solo. Já foram registrados casos de pessoas que tiveram alergia ao consumir produtos a base de soja, mas isso se aplica tanto ao cereal transgênico como o tradicional.

“Quando a mídia ressalta que os produtos geneticamente modificados causam prejuízos a saúde da população, acaba provocando dificuldades na discussão do problema”, observa. A insulina humana, utilizada pelos diabéticos, também passa por um processo semelhante sem nunca ter causado tanta discussão.

No ponto de vista comercial, o cientista sugere a rotulação dos produtos da mesma forma como existem alimentos e bebidas “light” e “diet”. Seria a melhor forma de informar o consumidor.

Resumo da ópera: a questão dos transgênicos é um misto de preocupação social, interesse econômico, exageros, mitos e ditos. Se a presença desse tipo de produto na nossa mesa é irreversível, devemos observar nossos direitos sobre aquilo que estamos consumindo e a melhor forma de enfrentar um mercado mundial cada vez mais competitivo. A biotecnologia, a ciência da nova era, é uma discussão sem ponto final.

quinta-feira, 29 de março de 2007

Prostitutas querem direitos respeitados - 2003

Portaria do Ministério Público revolta prostitutas de Maringá; elas organizam uma associação para garantia dos direitos constitucionais

Marcelo Bulgarelli/Equipe O DIÁRIO

“Polícia vai cadastrar as prostitutas”. Esse foi o título da matéria publicada em O DIÁRIO no domingo passado e que está correndo o Brasil por meio de Organizações Não Governamentais (ONGs) de defesa dos direitos humanos. A portaria prevê o fim do direito de ir e vir de prostitutas, travestis e de profissionais do sexo em geral.

O documento saiu de uma reunião, ocorrida em novembro, entre representantes do Ministério Publico (MP), Policia Civil e Militar em Maringá. Para os que defendem os direitos humanos, a portaria é a institucionalização de uma verdadeira “ limpeza social” devido ao cunho “fascista”.

Surpreendentemente, uma representante da principal parte envolvida resolveu se manifestar. É a cidadã, contribuinte, consumidora, mãe e avó, Arinéia Maria Martins Gonçalves, 37. A mesma carta enviada a O DIÁRIO foi também remetida para ONGs de todo o país e também ao Ministério Público.

Em entrevista a O DIÁRIO, Néia, como é chamada, fala de sua revolta contra a portaria e conta um pouco da história dela. Ela é uma das principais coordenadoras de uma associação de defesa dos direitos dos profissionais do sexo. Também luta por uma cadeira junto ao Conselho de Defesa dos Direitos da Mulher. Sem medo de aparecer.

Como você começou na profissão?

Eu acredito que toda profissional do sexo tem algo que vem desde infância. Sou filha de pais separados, de família humilde, pai alcoólatra...Minha mãe, ainda muito jovem, ficou com três filhos, sem recursos. Desde cedo eu aprendi que para se ter alguma coisa na vida, você deve dar algo em troca... Normalmente a menina que entra na prostituição ela tem necessidade de se segurar em alguma coisa. Daí, o alcoolismo é o meio mais fácil. É difícil existir uma prostituta que não fuma, que não bebe e tem uma que usam outras coisas. Mas isso não faz da gente pessoas desonestas, uma vez que arcamos com nossas responsabilidades... No começo da minha profissão, foi uma necessidade. Não tinha filhos, não tinha estudos. Quando entrei para a prostituição, foi em 91. Meu ex-marido era alcoólatra também e eu não tinha como cuidar das crianças. Me separei de vez e tive que tomar uma atitude. Vim pra rua mesmo, tinha que acabar de cuidar das crianças e dar pra eles um futuro diferente do meu, com escola, uma casa, um amparo de verdade...

Como foi sua primeira relação?

Péssima (risos). O primeiro é sempre o mais difícil. Embora você sabe que precisa daquele dinheiro, o remorso para com você mesma é muito grande. Na realidade, sabe que aquilo não é o que você quer pra você. Hoje eu lido com isso muito bem. Faço a minha profissão porque quero. Poderia simplesmente parar. Mas se hoje eu luto pelos direitos das prostitutas, é porque sei o que passei. É uma opção minha.

Você é uma pioneira nessa bandeira. Deve ser difícil.

Difícil sempre é. Veja a reportagem do jornal. Estão simplificando a gente como prostitutas. É prostituta, não é mãe, não e mulher, não é cidadã. Se resume no fato de ser prostituta. Complicado porque a gente também não tem apoio. Na hora em que vou votar, eu sou cidadã. Na hora que em que preciso do apoio de quem ajudei a eleger, eu sou só prostituta. Acaba que a gente fica reprimida, vem pra rua com medo, mas não tem como parar. Parte das meninas de programa são mães e pais de seus filhos, são donas-de-casa, tem responsabilidade. Não tem como parar.

Como é a noite em Maringá?

É assombrosa. De repente, você sai sabendo a hora que sai sem saber a hora que volta. Não há segurança de lado nenhum. Até um cliente pode se tornar agressivo, pode se tornar seu inimigo.

Qual o pior momento que você já passou?

O pior foi quando meu pai estava doente e seis meses antes dele falecer eu estava desesperada. Precisava de dinheiro. Entrei num carro e o cara me deixou no meio do mato, sem saída. A sorte é que aqui, quando a gente entra num carro, a menina que fica guarda o documento, o dinheiro. Caso contrário, eu teria ficado sem nada.

A reportagem de O DIÁRIO representou a gota d’água sobre o que a sociedade acha de vocês?

Com certeza. É uma hipocrisia muito grande. A sociedade taxa as meninas da rua como prostitutas, como vadias, quando a gente sabe que na sociedade há muitas que freqüentam grandes hotéis e são chamadas de acompanhantes de executivos. Enquanto a gente freqüenta pequenos hotéis que dão emprego pra muita gente, somos consideradas a puta, a vagabunda e o hotel um prostíbulo. Então, chega. Cansamos.

Você está organizando uma associação das profissionais do sexo...

Na verdade já estamos muito mais organizadas do que o pessoal pensa. Quando é pra escolher em quem a gente vai votar, a gente se reúne, procura o que é melhor pra nós. E tem gente que vai pro jornal, faz o que quer e acha que a gente fica sem ter como se defender. Mas nós temos como nos defender e não vamos baixar a cabeça de maneira nenhuma. Doa quem doer. Por que em nós também dói ver no jornal que somos consideradas pessoas desordeiras, um perigo para a sociedade. Será que realmente somos um risco ou a sociedade é um risco pra nós?

E depois dessa portaria, o que vocês pretendem fazer?

A gente não vai parar. Tive agora um contato com a Carmem Lúcia (socióloga e prostituta, uma das maiores lideranças nacionais entre os profissionais do sexo) do Rio Grande do Sul. Nós vamos partir para as organizações de defesa dos direitos humanos. Nós ficamos sem entender direito. A Constituição diz que todo mundo tem direito de ir e vir e a gente lê no jornal que querem tirar esse direito da prostituta. A gente quer uma resposta. E se tivermos que pedir um hábeas corpus pra andar, a gente vai fazer.

Existem quantas profissionais do sexo em Maringá?

Na rua e incluindo as acompanhantes de executivos e “esposas”, umas oitocentas e cinqüenta.

Você fala de esposas. Há muitas mulheres casadas que estão na prostituição e os maridos não estão sabendo?

Talvez até estejam, mas é mais cômodo manter o casamento, pois o título “esposa” encobre muita coisa.

E a polêmica em torno das profissionais que trabalham na área da Catedral. Faltou diálogo?

Exatamente. Eles dizem que debateram muito o problema, mas na reunião nunca tiveram uma profissional do sexo. Pessoal decide e expõe todo mundo, mas não senta para conversar cara a cara. É diferente quanto eles batem na porta da gente, quando eles passam por aqui para pedir voto. Aí, eles se lembram que a profissional do sexo é cidadã e tem título de eleitor.

Hoje você sustenta sua família?

Hoje eu me mantenho. Meu pai já faleceu e minha mãe mora longe e que ajudo da melhor maneira possível. Tenho uma filha adolescente solteira. Sou mãe de três filhas e avó de cinco netos.

Alguma delas vai se tornar profissional do sexo?

Eu tive a sorte de ter tido três filhas. Duas estão casadas e tenho uma ainda solteira. Nenhuma pendeu pra esse lado. Não é o que eu quero. Mas se uma filha minha se torna profissional do sexo, eu vou sentar com ela e conversar para saber o que a levou as isso. E de qualquer maneira vou apóia-la, não como mãe ou amiga, mas como profissional do sexo.

Qual a maior alegria de sua vida?

É viver cada dia, é batalhar pelo que tenho direito. É chegar aqui, mesmo sem ter nenhum cliente. É saber que sou digna por que não vou na casa de nenhum homem buscá-lo. Ele sabe onde me achar.

Conceição Paganele, uma cidadã brasileira

Moradora da periferia de São Paulo cria associação em defesa das crianças em situação de risco e se destaca durante o 2º Encontro de Educação Social, em Maringá

Marcelo Bulgarelli

Equipe O DIÁRIO

Conceição Paganele, cidadã, moradora da periferia de São Paulo. Ficou viúva aos 25 anos com cinco filhos. Seu sonho era criá-los e formá-los, apesar das dificuldades financeiras. Uma família feliz até que o filho mais novo, aos 14 anos, se tornou um dependente químico da maconha e, mais tarde, de crack.

Seu objetivo foi proteger o caçula. Sem perceber, passou a proteger muitas outras crianças, muitas outras mães. Hoje, conhecedora de seus direitos, preside a Associação de Mães e Amigos de Crianças e Adolescentes em Risco, Amar.

Luta contra a arbitrariedade e a ilegalidade de instituições como a Fundação do Bem Estar do Menor, a Febem de São Paulo, onde o filho ficou internado. Mediou rebeliões e denunciou maus tratos.

No ano passado, a Amar recebeu o Prêmio Nacional dos Direitos Humanos do governo federal. Em março de 2002, Conceição foi capa da conceituada revista “Caros Amigos”. Na semana passada, se destacou durante o 2º Encontro Nacional de Educação Social, realizado em Maringá.

Como surgiu a Associação de Mães e Amigos das Crianças em Situação de Risco, Amar?

Surgiu pelo envolvimento de nossos filhos nas drogas e em seguida veio o ato in-fracional e a Febem.

Como a senhora classificaria a Febem?

Como eu classificaria? Aquilo que jamais deveria ter existido. A Febem de São Paulo é instituição que leva tantos valores em dinheiro, que custa tão caro ao Estado e ao invés de res-socializar, de recuperar, de tratar, ela piora a situação. O jovem sai de lá muito pior do que entrou. Então ela deveria ter um fim. Não sei por que existe ou teima em existir.

Desde quando a senhora teve contato com a Febem, chegou a conhecer a realidade de ou-tras instituições?

A internação é algo muito serio. O trato no Brasil ao jovem infrator da camada menos favorecida da sociedade já é desprezível. Já é de exclusão. O que a gente percebe é isso. Quem vai hoje para a Febem, quem hoje está atrás do sistema prisional, são pessoas populares, da classe popular. Então, parece que não muda no Brasil essa questão, parece que não muda no mundo... São os menos privilegiados. Esses são os mais sofridos. A minha grande preocupação é que enquanto a gente se omitir, a gente se calar diante dessa situação, nós só vamos gerar a violência. Quando o adolescente infraciona, quando ele violenta, ele está sendo violentado. Ele só está respondendo tudo aquilo que recebe.

O que leva o jovem ao vício?

A falta de perspectiva de vida.

Falta de auto-estima?

Auto-estima lá embaixo. Hoje o menor da periferia, o jovem , o adolescente, não tem garantias no mercado de trabalho, de uma sobrevivência melhor. E tem o abandono total. Os promotores de Justiça de São Paulo elaboram um boletim de ocorrência, um modelo elaborado pelo promotor de Justiça da Vara da Infância. Quando menino desobedece algumas regras dentro da escola, será feito aquele boletim de ocorrência e encaminhado para lá, levado pra Febem. Isso é um absurdo.

E tem quem quer reduzir...

Tem quem quer reduzir a idade penal. É mais uma aberração, uma estupidez que candidatos mal intencionados fazem política em cima disso. Ao invés de investir na escola, ao invés de exigir as políticas públicas de atendimento a essas pessoas menos despreparadas, eles querem aumentar o grau de violência, engrossar mais as filas no sistema prisional que não recupera, não resolve. É pura hipocrisia e enganação pois eles não podem fazer essa alteração (na lei).

Ser jovem de uma camada popular é muito difícil. Você convive numa sociedade de ex-clusão e ao mesmo tempo essa mesma sociedade o incentiva ao con-sumo. E você tem o di-reito de consumir, mas não tem condições. Isso cria uma expectativa terrível para os jovens.

Sim. Uma situação de conflito. Agora mesmo estou vendo as preocupações de todos os estados e municípios, as medidas de proteção para as crianças de zero a 14 anos. E 14 anos pra frente solta, há um momento de conflito do jovem. É o momento mais conflitante. E aí o tráfico, como é o caso de São Paulo, está aí em todas as esquinas. Eu costumo falar que ele estava na esquina da minha casa, passou pelo portão, entrou pela minha sala e hoje está no meu travesseiro. Porque eu tenho um filho dependente químico. E chamo muita a atenção da população, das mães e da sociedade de modo geral. Assim como ela (a droga) entrou dentro da minha casa, pode entrar no travesseiro de qualquer um se a gente continuar de braços cruzados. Porque essa questão de dar cesta básica, bolsa escola, mil bolsinhas, e não investir e preparar o ser humano, não investir na pessoa para que ela se torne cidadã e conhecedora de seus direitos, isso também não resolve. Vamos parar de hipocrisia e de dar esmola. A população brasileira não precisa de esmola. Precisa é se preparar para o enfrentamento com a crise social. Precisamos estudar. E quando eu falo em estudar, não é estudar cinco, seis horas num banco de escola. É estudar no conhecimento de cidadania, de direitos e deveres. É isso que a gente precisa.

E conhecer o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Conhecer o ECA, a própria constituição. Conhecer o que é ser cidadã. Tenho direitos e deveres, então exijo o que é meu. Tenho direito de ser respeitada, de trabalhar, ir e vir. Mas eu quero os meus direitos garantidos. Não aceito ticket de leite ou cesta básica.

A senhora se aproximou muito da Febem devido ao seu filho, dependente quí-mico. Esses problemas ge-ralmente acontecem com os rapazes. E as moças?

Eu tenho algumas meninas em situação de risco, mas não na prostituição. E é muito pequeno o número de moças em atos infracionais. O que mais temos é meninas sendo usadas no trafico de drogas.

Servindo de “aviões”?

Elas servem. Geralmente quando você conversa com uma mocinha e ela diz que trabalha à noite num barzinho, ela está traficando. Está sendo usada.

Na periferia das grandes cidades, as moças gostam dos rapazes que estão no tráfico. Parece que existe uma certa áurea de herói. Quer namorar aquele modelo...

É que vivemos numa sociedade onde você deve ser bom. E bom de tudo. Tem que chegar na frente, não importa como. E essa questão do poderoso, do cara que matou, ele se torna herói na periferia. Ele acaba de matar e os outros o carregam no colo. E ele passa a exercer esse fascínio nas meninas. É o “poderoso” que a imprensa passa, a tevê mostra. Não existe solidariedade. Existe vencer na frente e dane-se o resto.

E a polícia? Em certas si-tuações os marginais tratam melhor a comunidade do que a própria polícia.

Infelizmente. Eu tenho muita tristeza. Tenho um trauma com a polícia. Me maltratou, me agrediu. Quando vejo uma viatura de polícia, eu odeio. Meu pensamento inicial é de raiva. Na mesma hora eu me reponho: “Ai meu Deus, é um homem numa situação de risco total”. Mas a polícia deixa muito a desejar. É muito violenta , não respeita as pessoas. Quando se aproxima, se aproxima desrespeitando.

E geralmente isso acontece com as pessoas mais pobres. E a maior parte desses po-liciais veio justamente dessa mesma camada social.

São pobres com os mesmo problemas do que eu. Mas parece que com aquela farda deixam de ser seres humanos e passam a ser como monstros. A polícia chegou a me xingar, a me tratar com desprezo. “Seus filhos todos são bandidos?”. Isso num momento difícil, quando eu estava lidando com as drogas do meu filho. E ele preso. Eu estava ali, não concordando com aquele ato infracional de roubo e a polícia entra cheia de arma, engatilhando no meu portão e depois dizendo que todos da minha casa são bandidos e se eu iria passear numa hora daquela. Eu estava na minha casa e ainda me perguntam se eu ia passear.

A senhoras tem quantos filhos?

Tenho seis. Cinco do meu casamento e um adotivo de oito anos.

E o único quer deu problema foi o caçula, o Cássio? Como foi educar os demais? Por que isso aconteceu?

Quando eu fiquei viúva, o Cássio era o caçulinha, tinha três anos. Os outros eu ainda consegui acompanhar um pouquinho na escola, ia levar, buscar. Mas com Cássio foi diferente. Eu saía pra trabalhar e o deixava sozinho, sendo cuidado pelo irmão de oito anos. Não tive tempo pro Cássio. Não teve creche, ficou na rua, aos cuidados dos outros irmãos. E acho que essa falta materna, paterna, fez muita falta pra ele. Ele tem uma carência muito grande. Pra você ter uma idéia, ele me procura 24 horas do dia. Quando ele está em casa e eu trabalhando, me liga a todo instante. Me pergunta “como você tá? Que horas você vem?”. Acho que diante dessa carência, ele buscou uma fuga nas drogas. E não acho que eu falhei. Quem falhou comigo foi o próprio Estado, a comunidade. Porque eu não tinha outro jeito. Eu tinha que trabalhar. Quantas mães têm que trabalhar e deixar seus filhos sozinhos? A gente briga pra que haja medidas de amparo social, quer tenha creche, escola de qualidade e que essas mães tenham melhores salários para poderem viver melhor.

Quando seu filho foi pra Febem, a senhora achou que ele estaria protegido. Afinal, ele estava na “Fundação do Bem Estar do Menor”. Mas o Estado não cria nenhum outro mecanismo para acolher essas crianças.

Quando ele chegou na Febem, a situação dele já era muito perigosa. Ele corria risco e oferecia risco. Eu procurava ajuda na comunidade, procurei até o Ministério Público da Vara da Infância em São Miguel. Eu falava pro promotor: “Meu filho oferece risco. Ele se droga, pega arma emprestada e ele sai pra roubar. Pode tirar a vida de qualquer ser humano”. E roubando carros de pessoas pobres, de quem fez consórcio e passou anos pagando pra conseguir. Isso não era justo. Então, eu queria a proteção de alguma forma. E eu não consegui. E na hora que rouba, ele vai preso, pra Febem. E lá, eu achei que ele teria o atendimento médico, psicoterapêutico, psiquiátrico... A dependência do meu filho é muito séria. Já chegou um momento dele pedir pra amarrar ele dentro de casa.

Ele tem consciência dessa dependência?

Hoje a gente trabalha bem com isso. Mas é muito triste. Imagine você ter um filho com 15 anos e ele pedir pra você amarrar ele para controlar aquele monstro dentro dele? Aquela vontade terrível de usar drogas. Como você amarra, pega uma corrente e prende seu filho dentro de casa? Eu não queria. E eu pedia ajuda. E não tive ninguém que me ajudasse. Quando ele estava dentro da Febem, achei que lá eles iriam fazer o tratamento que ele precisava. Ele estava na mão do Estado, vinte e quatro horas. O Estado não o recuperou por que não quis. O saldo que a Febem me deu foi de uma rebelião em que ele tentou uma fuga. Meu filho não tem calcanhares. Tem platina. Ele hoje tem deficiência física. Isso foi o que o Estado conseguiu me devolver. Não melhorou a situação, nem dos outros meninos. Agora, com muita dificuldade, a gente tenta caminhar com os adolescentes, levando eles pra associação, pra escola. Mas tudo é muito difícil, pois a nossa associação não tem recursos. É uma situação de estremo sofrimento... Mães em desespero, em depressão... Uma situação que o Estado não resolve.

Em determinado momento da sua vida a senhora pensou que estava sozinha. Quando olhou em volta, viu que tinha outras mães. Ali a senhora viu es-perança ou consolo?

Esperança. Eu não estava sozinha, tinha esperança de torná-las cidadãs, de tornar a luta maior. Falava pra elas que se a Febem continuar da forma como está, nós precisamos nos preparar e tomar conta daquilo. Mas parece que a Febem de São Paulo só vai resolver o problema no dias em que as famílias se prepararem e assumirem. Porque são os filhos dessas mães que estão lá. Estão saindo piores do que entraram (Emocionada, Conceição respira fundo e faz uma pequena pausa).

E o Cássio? Tem quantos anos?

Está com vinte. E eu aprendi muito com ele. E aprendi muito com as drogas também. A gente pensa que não... Um dia eu estava triste e meu filho mais velho disse assim, quando Cássio foi preso: “sabe mãe. A gente pensou que os problemas sempre aconteciam na casa dos outros, mas acontecem na nossa também”. O problema estava na nossa casa. E o próprio Cássio me escreveu na semana passada: “você é uma grande heroína”. A gente não tem mais segredo.

Como está ele?

Num presídio em Tre-membé. Não tem atendimento nenhum. É eles por eles mesmos. Mas não tem espancamento. E na Febem tem.

Está preso por quê?

Roubo de carro. Foi a ultima recaída dele. Esteve um ano e meio em casa com a gente. Depois que recaiu, eu achava que ele ia morrer.

E a senhora não é bem vinda na Febem.

(risos) Ninguém que trabalha com a questão da criança e do adolescente é liberado para entrar. Inclusive teve uma rebelião no ultimo final de semana e nós fomos lá, com duas mães, e só conseguimos ver os meninos. Tava totalmente destruída a unidade. No dia seguinte, foi a Comissão de Direitos Humanos que também não conseguiu entrar.

E o Estado nunca se posi-cionou, mesmo depois que a senhora ficou conhecida na mídia?

Eles desmentem. Diz que são pequenos focos de violência, que nada disso existe, que tudo é totalmente controlável. Interessa alguém em manter a Febem dessa forma em que está. Um jovem adolescente, hoje, custa para o Estado entre mil e oitocentos a dois mil reais. Com esse dinheiro eu pagaria um colégio fora do Brasil...

Ou um tratamento.

A gente vê os meninos dormindo no chão. Na UAI, uma Unidade de Atendimento Inicial da Febem, tem capacidade para 63 meninos e lá cabem quatrocentos e cinqüenta.

Assim, eles têm o direito de fugir.

Mas lá eles não fogem. Não tem como. Não pode olhar pros lados e nem se coçar. E nem tem como coçar a sarna, sem se mexer.

E os seus demais filhos? Que idade eles tem?

Cássio, o caçula, tem 20 anos. Viviane tem 21, o Teo 23, Frank 24 e a Valéria 25. Todos estão casados.

E quantos netos?

Dez netos. O próprio Cássio tem duas filhas que eu crio. A menina de quatro anos só fala no pai , amanhece falando no pai dela. Ela cria a bonequinha dela, eu sou a avó da boneca, e tem o pai que tá trabalhando. Em todo o momento da vida dela, ela traz o pai. Isso é um conflito muito grande pra gente. E esse pai faz muita falta. Eu falo com ele sobre isso. E quando ela vai visitar (o pai na prisão) e quer trazer o pai dela junto? E a cadeia toda chora. marcelo@odiario-maringa.com.br

Um ser holístico para o século 21

Encontro de saúde natural e holística reúne em Maringá especialistas em terapias e na nova filosofia que trata o ser humano de forma integrada

Marcelo Bulgarelli

Equipe O DIÁRIO

Esteja pronto. Contra as fragilidades de um mundo à beira da extinção e de um ser humano individualista e competitivo, vem ganhando espaço uma nova filosofia que resgata a pluralidade e a integração do ser. É o paradigma holístico em debate neste fim de semana durante o 2º Encontro de Saúde Natural e Holística.

Na prática, já se verifica o embate entre o velho e o novo pensamento. A forma linear, a especialidade e a racionalidade voltadas apenas para objetivos sem questionamentos maiores, vai cedendo espaço para o holismo. Nele, as ações são multidisciplinares, prevendo as reações em cadeia.

O pensamento “holístico” dentro de uma empresa, por exemplo, é compartilhado por todos, da direção aos fornecedores, passando pelos funcionários. As decisões são planejadas checando todos esses elementos da escala produtiva, ressaltando as possibilidades e

limites de cada um. O crescimento é alcançado devido a uma série de ações desenvolvidas conjuntamente.

A SAÚDE

Assim é o caso da saúde. Ela é encarada como um todo, possibilitando a prevenção antes do tratamento. A própria física moderna defende a análise dos fenômenos a partir da totalidade, não das partes. Assim, não se combate a doença, mas também aquilo que a provoca. Nessa cadeia, vale a maneira daquilo que influencia e é influenciado. Nada é analisado isoladamente.

Essa visão holística agora adotada pelo pensamento moderno é inegavelmente influenciada pelo pensamento orien-tal.Aqui estão incluídas a teoria do caos, análises econômicas, a saúde, física quântica e a relação homem e a natureza. Isso sem esquecer a pluridisciplina-ridade, a possibilidade de se estudar um fenômeno por diversas disciplinas ao mesmo tempo. Isso já ocorre em algumas instituições de ensino, inclusive em Maringá.

NATUROLOGIA

Essa multidisciplinaridade também chegou às universidades. Elas apostam em novas ciências como a Naturologia Aplicada, oferecida pela Unisul de Santa Catarina. A coordenadora do curso, Rozane Goulart, esteve em Maringá falando sobre os novos conceitos e técnicas naturológicas empregadas na prevenção e restabelecimento da saúde integral.

A Naturologia trabalha com praticas da natureza ao indivíduo. Essas terapias incluem a hidroterapia (águas) , cromote-rapia (cores), reflexologia (pontos nos pés e nas mãos que passam pelos meridianos), masso-terapia (massagem) e geoterapia (barro ou argila). São associadas com a aromoterapia, fitote-rapia e florais.

Essas práticas ,aos poucos, estão sendo incorporadas ao sistema de saúde convencional, como é o caso da fitoterapia, no SUS. Prefeituras já incluíram a mesma terapia no Programa de Saúde da Família. Em países da Europa, as demais práticas já foram absorvidas pelas políticas públicas do setor. No Brasil, elas são fáceis de se encontrar nos spas.

BAIXO CUSTO

O naturólogo é mais um profissional na área da saúde do século 21.

A visão do mundo holístico faz com que a pessoa deixe de ser um paciente para se tornar um interagente. É inclusão, proporcionando baixos custos na prevenção de doenças. “É claro que ela não resolve sozinha. Precisamos também de soluções alopáticas”, esclareceu a bióloga.

O curso de Naturologia Aplicada da Unisul, em processo de reconhecimento pelo Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina, foi o primeiro criado no Brasil em nível superior e está formando a primeira turma.

A abordagem abrange até a arte por meio da musicoterpia e arteterapia. Formam um instrumento de integração do indivíduo com a sociedade. Esse primeiro passo já foi dado. Ainda temos muito do que respirar. Profundamente, tranquilamente...

‘Canto dos Malditos’ além dos hospícios

Autor do livro que deu origem ao filme Bicho de 7 Cabeças aponta falhas no sistema jurídico e pede o fim dos hospícios

Marcelo Bulgarelli

Equipe O DIÁRIO

O sistema jurídico brasileiro não tem profissional capacitado para julgar ações de erros médicos psiquiátricos no país. Não há especialistas nessa área. A afirmação parte do escritor, ator e diretor curitibano Austregésilo Carrano Bueno, 45.

Membro do Movimento da Luta Antimanicomial, Carrano é o autor do livro autobiográfico “Canto dos Malditos” que deu origem ao premiadíssimo filme “Bicho de 7 Cabeças”. Em Maringá, ao participar da Semana Anti-manicomial, ele criticou os hospícios, considerados por ele como um “desserviço social”.

O livro dele, por sinal, deve ser recolhido das livrarias devido a uma ação judicial movida pelos familiares de um médico – Alô Ticolaut Guimarães, já falecido - descontentes com alguns diálogos considerados “injuriosos” citados na publicação.

Carrano pretende protestar contra o recolhimento do livro, queimando dez exemplares em frente ao Tribunal de Justiça do Paraná. “Tive queima de visão, uma pequena fissura craniana, problemas na coluna. Ele arrebentou com minha vida e sou eu que estou injuriando o cara?”, questionou. Esse será mais um capítulo na vida desse ex-paciente contra as instituições psiquiátricas.

“Canto dos Malditos” é a experiência do escritor nos três anos que passou confinado em quatro hospitais psiquiátricos. Carrano teve sete retornos e sofreu 21 aplicações de eletrocho-que. “Você fica preso num quarto, quatro horas antes de ser eletrocutado. A voltagem é de 180 a 460 volts e você pode fraturar fêmur, clavícula, maxilar, além de lesões celebrais”.

INDENIZAÇÃO

Em maio de 98, o escritor moveu a primeira ação indenizatória por erro médico psiquiátrico da história do país contra dois hospitais psiquiátricos e dois médicos psiquiatras. Carrano garante ter sido vítima de erros de diagnósticos que o levaram várias vezes internado em sanatórios, e exige uma indenização de R$ 10 milhões.

A ação de indenização por danos morais, psíquicos e físicos foi contra o Hospital Espírita de Psiquiatria Bom Retiro, Hospital de Neuro Psiquiatria do Paraná – ambos em Curitiba - e os médicos Alexandre Sech e Alô Ticolaut Guimarães.

Em 99, a vítima se tornou ré, graças a um revés jurídico provocado pelas famílias e instituições dos acusados. Foi condenado a pagar R$ 60 mil.

No entender de Carrano, isso mostra a inexistência de juízes e desembargadores com capacidade para julgar questões relativas à saúde mental no Brasil. “Nenhum advogado ou juiz sabe a voltagem de um eletrochoque e nem os seus efeitos. Desconhece as causa de um coquetel de remédios em um paciente. Como podem julgar alguma coisa?”, martelou.

Como se não bastasse, as duas instituições entraram recentemente com uma outra ação exigindo o pagamento de R$ 5 mil de Carrano toda vez que ele citar os nomes dos médicos ou dos hospitais na imprensa. “Com certeza eu serei condenado aqui no Paraná”, afirmou o escritor, “mas vou recorrer ao Supremo (Tribunal de Justiça)”.

TÃO LONGE, TÃO PERTO

A verdade dos hospícios está longe das mentes consideradas sãs. “Visitar uma instituição durante uma ou duas horas, é uma coisa. Mas acordar na madrugada ouvindo gente gritando e correndo, defecando pelos corredores... E você preso no pavilhão, sem poder fazer nada, é outra realidade”.

A situação para os pacientes de saúde mental torna-se mais crítica com a introdução de uma aparelhagem desenvolvida em laboratório americano, avaliada em US$ 30 mil, para aplicação de eletrochoques. Esse aparelho já estaria sendo negociado diretamente com os hospitais psiquiátricos brasileiros.

Os hospícios, segundo o modelo atual, são também considerados como “a galinha dos ovos de ouro”. A saúde mental é a terceira maior despesa do SUS , perdendo apenas para pacientes com problemas cardíacos e respiratórios. O Brasil tem 267 instituições que confinam mais de 70 mil pessoas. “Se gasta em torno de R$ 600 milhões por ano para os donos dos hospícios passearem pela Europa”, denuncia Carrano.

A LOUCURA

Hoje ele é um militante ativo do Movimento da Luta Anti-manicomial, propondo o fim dos hospitais psiquiátricos tradicionais por uma rede de trabalhos substitutivos como centros de atenção psicossocial e serviços sociais terapêuticos. Pelo novo modelo, ficariam internados em hospitais espe-cializados em saúde mental, por um breve período, somente aqueles pacientes que colocam em perigo a própria vida ou a de terceiros. A internação seria em um hospital geral, justamente para não estigmatizar o paciente.

Além da luta antimanicomial, Carrano também questiona o conceito de loucura. Em recente palestra na Universidade Estadual de Londrina (UEL), ele foi surpreendido com a presença de um paciente. Esse foi até à mesa onde estava o palestrante e, calmamente se deitou sobre ela, permanecendo assim durante o debate.

Carrano fingiu que nada havia acontecido. No final da palestra, o paciente também resolveu falar. Contou que certa vez, um psiquiatra lhe havia perguntado se reconheceria quem é louco no meio de uma multidão. A resposta foi simples: todas as pessoas possuem um vaso de flores na cabeça. Os loucos têm um vaso “de-lírios”.



A história de Austregésilo Carrano

Carrano foi internado pela família em 1974, aos 17, depois que seu pai, Israel Ferreira Bueno, achou um cigarro de maconha no bolso de uma jaqueta. O jovem dizia que não era viciado. Apenas fumava nos fins-de-semana.

O próprio pai o levou para o Hospital do Bom Retiro, onde foi atendido pelo médico Alô Ticolaut Guimarães. Era o início de uma série de tratamentos considerados torturantes. Carrano foi submetido a eletrochoques e obrigado a tomar medicamentos, mesmo sem necessidade. Ao sair do hospital, ele ficava trancado no quarto da casa. A família, então, decidiu interná-lo novamente, criando um ciclo crônico de internações. Viveria uma nova tragédia no Hospital de Neuro Psiquiatria, em Piraquara, região metropolitana de Curitiba.

Atualmente, Canto dos Malditos é um livro adotado na Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Nacional de Brasília (UnB) na área de psicopatologia clínica. Boa parte dessa história também está no filme de Laíz Bodanski.

Em Bicho de 7 Cabeças, Carra-no ganhou o nome de Neto - personagem vivido magnificamente por Rodrigo Santoro - e termina quando ele tenta o suicídio. Mas o que realmente aconteceu com Carrano depois desse episódio?

Bem, ele foi para o Rio de Janeiro e mais tarde voltou à Curitiba com a intenção de escrever o livro. Mas ninguém queria editar. Pediam para o autor retirar o nome dos médicos citados. Isso ele não faria.

VÍTIMA

Os originais pararam nas mãos de Leilah Santiago Bufrem, da Editora Universidade Federal do Paraná. O irmão dela também foi vítima do mesmo sistema. Ele havia se suicidado após ter tomado eletrochoques dentro de um hospital psiquiátrico, justamente o Bom Retiro, onde Carrano esteve internado.

O livro, então, foi editado sem modificações ou omissões em março de 1990, sendo recomendado pelo poeta Paulo Leminsky. Em abril do mesmo ano, porém, seria recolhido.

Segundo Carrano, a Editora teria cedido às pressões da família do médico Guimarães.

Durante os sete meses em que o livro pôde ser vendido, Carrano conheceu o Movimento Antimanicomial, coordenado pelo psiquiatra Nacile Daud Júnior. Esse pediu a doação dos fotolitos para a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, na época da administração de Luiza Erundina.

O livro, logo, ganharia uma nova edição destinada à venda indireta. Um desses exemplares caiu nas mãos da cineasta Laíz Bodanski.

Em relação à família, Car-rano guardou mágoas durante um bom tempo, mas depois entendeu que o pai dele também foi vítima do sistema. Afinal, tudo havia ficado escondido entre os muros dos hospícios. “A psiquiatria brasileira oferece à comunidade somente o hospício com alternativa para os que sofrem de doença mental. No meu caso, por exemplo, bastaria uma conversa com uma psicóloga”, analisou. MB