sexta-feira, 30 de março de 2007

Síndrome do Burnout - nova doenca atinge 60% dos professores

Surge mais uma doença do fim de século.

É a síndrome do Burnout, uma expressão inglesa que significa "perder energia".

Ela atinge diversos profissionais que trabalham diretamente e excessivamente com outros seres humanos.

Os professores formam uma das categorias mais atingidas pela doença. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), realizou uma pesquisa com 52 mil profissionais da área em 1500 escolas de todo o país.

A principal constatação foi que um terço dos professores apresentam sintomas da Síndrome de Burnout. "Entre todos estados, o Paraná é o que apresenta o índice mais elevado da doença", disse João Ivo Caleffi, diretor de Políticas Sindicais da APP-Sindicato.

A exaustão emocional se caracteriza pela sensação da pessoa "não poder dar mais de si mesmo'", perdendo energia com esgotamento físico, psicológico e fadiga.

A despersonalização, outra característica da Síndrome, é identificada por maio de atitudes especialmente frias e distantes para com os colegas e publico em geral.



A pesquisa

Segundo a pesquisa, o Paraná apresenta um índice de 32,9% de prof. com alto ou moderado índice de despersonalização. A media do Pais é de 28,5%.

Em relação ao índice de profissionais com alto ou moderado índice de exaustão emocional, o Paraná apresentou 60,2% contra uma media nacional de 53,5%.

A própria APP - Sindicato vem levantando as causas que estão prejudicando os professores paranaenses. Caleffi aponta a falta de hora-atividade e a superlotação nas salas de aula. "O ideal máximo. Hoje trabalhamos com uma media em torno de 30 a 40 estudantes por sala".



Outras causas

As implantação da hora-atividade ajudaria a reduzir o conflito entre o trabalho e a família. Uma autonomia pedagógica também possibilitaria que o educador retome o controle sobre o trabalho.

Caleffi lembra que os professores trabalham numa tensão emocional constante, atenção perene, com grandes responsabilidades. Alem de tudo, o profissional é vigiado a cada gesto no trabalho. "O trabalhador se envolve afetivamente com seu publico, se desgasta e num extremo, desiste, não aguenta mais, entra em Burnout".

Alem dos educadores, a doença vem atingindo profissionais da saúde, policiais, agentes penitenciários e outras categorias que relacionam diretamente com o publico por tempo prolongado.

Para o sindicalista, é difícil apontar alguma saída para esse problema "numa sociedade que adotou o individualismo e o mercado como únicas possibilidades para o ser humano".



Sintomas

Burnout foi um conceito que surgiu na década de 70 nos Estados Unidos. A síndrome surge, segundo especialistas, como uma resposta ao estresse crônico no trabalho, integrado por atitudes e sentimentos negativos sobre as pessoas com as quais se trabalha. Essa relação também atinge o próprio desempenho profissional. E o momento em que a pessoa esta "emocionalmente esgotada".

Os sintomas podem repercutir em forma de enxaquecas, alterações cardio-respiratórias, gastrites, ulceras, insônia e outras alterações psicossomáticas. Tudo isso aliado a queda da produção sistencial, absenteísmo e até abandono de emprego.

O distanciamento afetivo, sentimento de alienação, impaciência, vontade de abandonar o trabalho, ansiedade, sentimento de solidão, dificuldade de concentração e depressão são alguns indícios que podem levar a pessoa a Síndrome.



Fonte: Marcelo Bulgarelli, Diário do Norte do Paraná, 31 de agosto de 1999, p. 3

Transgênico confunde e causa polêmica

Marcelo Bulgarelli/Equipe O DIÁRIO

Transgênicos ou não transgênicos. Eis a questão. O assunto é tema de debates calorosos tanto no campus da UEM como nos botequins que circundam a mesma universidade. Professores falam dos prós e contras nas salas de aula, enquanto botequeiros chegam a afirmar que a fórmula de uma nova cerveja contém cevada transgênica.
Se o assunto é novidade pra você, se prepare: a biotecnologia, quer queira ou não, é uma realidade nesse início de século 21. É um momento de mudanças nas regras do jogo da biologia. Isso mexe na saúde e no bolso de todos.
Primeiro passo, é se acostumar com a sigla OGM, isto é, Organismo Geneticamente Modificado. Ou, se preferir, diga transgênico. Afinal, essa é a palavra da moda principalmente no que se refere à soja transgênica. E não pense que tal semente está longe das prateleiras dos supermercados. Diversos produtos contem matéria prima transgênica, embora esse detalhe ainda esteja ausente dos rótulos.

MEDIDA PROVISÓRIA
A noticia foi destaque na mídia durante a semana: o plantio desse tipo de soja foi autorizado, através de Medida Provisória, unicamente para a safra que começa a ser plantada em outubro. Em breve, o Governo Federal deverá enviar um projeto de lei ao Congresso Nacional para regulamentar a questão da biotecnologia em todo o país.
A liberação divide opiniões no Paraná, o principal estado produtor de soja tradicional do país. Tanto os que defendem e os contrários ao plantio de transgênicos são obrigados a debater diversas questões inerentes a novidade, englobando o lado comercial, social, legal e biológico. No último caso, está em questão a saúde do consumidor.
O governador Roberto Requião já se posicionou. Acha “uma tolice” a idéia de tentar identificar a soja transgênica da tradicional. Como a transgênica é dominante, dificilmente os portos poderiam separar os grãos porque ambos tipos de soja são misturados nos silos. E esse é apenas um dos argumentos.

RASTREAMENTO
Para o presidente da Cocamar, Luiz Lourenço, será possível rastrear a soja, plantando as duas variedades (tradicional e transgênica) na mesma região e manter separadas na colheita, armazenamento e processamento. As mudanças e instalações necessárias, principalmente no armazenamento, devem ocorrer assim que produção de transgênicos passar de 1 %.
A Cocamar aprova os transgênicos. A intenção é levar alternativas ao produtor, tanto para o plantio da soja tradicional como da transgênica. Caberá ao consumidor – interno e externo - definir qual o tipo de produto a ser comprado. Admite que o rastreamento da soja transgênica é possível, mas não será fácil.

RASTREABILIDADE
A rastreabilidade da Cocamar consistiria na venda da semente ao produtor e o acompanhamento desde o plantio até a colheita, sempre separando a soja tradicional da transgênica. Quando a soja está misturada no campo, a separação somente poderá ser feita no momento da entrega.
Neste caso, um teste pode dizer se há soja transgênica na entrega, mas ele não revela qual a quantidade, se é de 1% ou 60%. Para saber o percentual certo, o teste demoraria cerca de 15 dias. Isso é impossível para uma empresa como a Cocamar que recebe até dois mil caminhões do produto por dia no período de colheita.

RESISTÊNCIA
Lourenço divide a questão dos transgênicos entre o lado científico e ideológico. No primeiro, garante que não há nenhuma restrição pelos grandes órgãos de fiscalização mundial contra o uso de transgênicos. Já a discussão ideológica se calca nos posicionamentos de Organização Não Governamentais (ONG).
O presidente da Cocamar entende que essas ONGs trabalham pra impedir o crescimento da agricultura em paises subdesenvolvidos, deixando as terras para reservas indígenas ou ecológicas. Estariam, segundo ele, a serviço de terceiros para impedir a competitividade do Brasil no mercado internacional. “ O WWF (famosa ONG de defesa do meio ambiente) pertence a casa de Windsor que tenta há muitos anos a hegemonia do mundo”.

MONOPÓLIO
Em relação às criticas sobre o monopólio da soja transgênica por uma empresa multinacional (Monsanto), tais observações acabam “menosprezando” a inteligência do produtor. “Hoje se planta soja tradicional. Alguém que hoje planta a tradicional trocaria por um monopólio? É claro que não. Porque haverá paralelamente a tecnologia tradicional e a tecnologia de Roundup Ready (desenvolvida pela multina-cional Monsanto)”.
Ou seja, aquele produtor que não quiser obter algum ganho, pode voltar tranqüilamente para a cultura tradicional. “A Monsanto é a primeira multinacional com a tecnologia ,mas temos muitas outras que serão ofertadas ao mercado. Nenhum produtor vai optar em pagar mais para produzir menos. Quem opta pelo transgênico é porque é mais produtivo, mais fácil de ser trabalhado”.

PREOCUPAÇÃO
A Cocamar pretende fazer a rastreabilidade, mas tem dúvida se há comprador para o produto transgênico. “A prática mostra que hoje você tem um produto não transgênico certificado, mas o preço é o mesmo. Tem mais comprador, mas paga a mesma coisa. Se você quer um produto diferenciado, deveria pagar mais por ele”.
O chefe regional da Secretaria de Abastecimento e Agricultura (Seab), Renato Cardoso Machado, também defende a rastreabilidade, mas acredita que não haverá semente transgênica suficiente. Sua preocupação maior é que o Paraná está comercializando bem a soja tradicional, conseguindo um bom preço no mercado externo, superando os Estados Unidos em exportação.
Portanto, a liberação da soja transgênica o preocupa. “Os Estados Unidos estão interessados na liberação de nossa soja transgênica. Meu medo é que eles passem a produzir a mesma soja se favorecendo do subsídio deles, no futuro. Se todos os países tiveram somente soja transgênica para vender, vamos ter que competir com os Estados Unidos e os subsídios”.
E sobre a rastreabilidade, Machado acredita que haverá dificuldades técnicas e operacionais nesse acompanhamento. Isso inclui a comercialização, a colheita, o transporte e o armazenamento. Portanto, ainda é cedo para detectar como será a reação dos produtores e compradores.

CRÍTICAS

A polêmica sobre os transgênicos é acompanhada de perto pelo diretor municipal de Agricultura, Élson Borges. Ele não emite opinião como membro da administração municipal, mas na qualidade de engenheiro agrônomo pós-graduado pela UEM e especialista nas culturas orgânicas e alternativas de baixo custo.

Na área econômica, a soja transgênica estaria perdendo mercado no mundo pois os consumidores europeus e japoneses estão optando por produtos naturais, como a soja tradicional. Querem ter opção de compra diante do domínio de mercado pelos transgênicos. O Brasil perderá mercado se abandonar a cultura da soja tradicional.

O Rio Grande do Sul, estado que planta ilegalmente a soja transgênica, não estaria conseguindo mercado para esse produto. Bem ao contrário do Paraná. Assim, o Brasil já trabalha, na prática, com os dois tipos de soja.

Outro fator econômico é que a Monsanto controla 90% das sementes transgênicas do mundo e os brasileiros não possuem sementes certificadas para plantar. No total, são cinco grandes multinacionais por detrás dessa tecnologia.Com essa lógica, Borges acha uma balela quando falam que os transgênicos poderão acabar com a fome do mundo.

Ocorre que a produção mundial de alimentos já seria o suficiente para acabar com a miséria no terceiro mundo. O problema se concentra na distribuição dessa riqueza e não se espera que isso seja resolvido pelas multinacionais.

Borges também não aceita o argumento de que o plantio da soja tradicional se torne oneroso no futuro, em relação ao produto transgênico. “A soja transgênica aparenta ser vantajosa para o produtor em curto prazo. O Rio Grande do sul produz 2,4 mil quilos por hectares desse tipo de soja. O Paraná, com a tradicional, produz até 3 mil. Essa produtividade compensa”.
É certo que nos primeiros anos, se aplica menos herbicida na soja transgênica, mas a natureza tem mecanismos de compensação. “Com o tempo, é possível que ao invés de diminuir a aplicação de herbicida, o produtor tenha que aumentar a aplicação diante das modificações naturais. Quando você mexe na cadeia e elimina um ser da natureza, outro o substitui. Muitas vezes com prejuízos para a atividade humana. Sempre foi assim”.

A médio e longo prazo, a liberação da soja transgênica no Paraná vai atingir principalmente os pequenos e médios produtores rurais. Os produtores vão perder o domínio sobre aquilo que é fundamental para a agricultura, a semente. Como categoria social, eles ainda têm um domínio relativo sobre elas.

“Os transgênicos vão acabar com os pequenos produtores pois eles terão que comprar as sementes a cada ano”, afirma. As perdas levarão os agricultores à dependência da multinacional, inclusive os grandes. Hoje, alguns pequenos produtores têm condições de produzir, dentro de um limite legal, a semente tradicional.

Borges também desconfia que os alimentos transgênicos podem causar algum dano a saúde do consumidor. “Comemos arroz há 15 mil anos e a soja transgênica é algo não natural. Deus perdoa sempre, a natureza nunca. Se existem dúvidas, por que não esperamos mais 10 anos?”.

SEM PROBLEMAS

William Mário de Carvalho Nunes, diretor do Centro de Ciências Agrárias da UEM, tenta desmistificar a questão dos transgênicos. Tanta celeuma esconde questões econômicas, mas sob o ponto de vista científico, ainda se desconhece se haverá algum malefício provocado pela semente modificada geneticamente.

O princípio da transformação feita nessa soja, é a proteína de um gene (PPSPS) proveniente de uma bactéria do solo. Já foram registrados casos de pessoas que tiveram alergia ao consumir produtos a base de soja, mas isso se aplica tanto ao cereal transgênico como o tradicional.

“Quando a mídia ressalta que os produtos geneticamente modificados causam prejuízos a saúde da população, acaba provocando dificuldades na discussão do problema”, observa. A insulina humana, utilizada pelos diabéticos, também passa por um processo semelhante sem nunca ter causado tanta discussão.

No ponto de vista comercial, o cientista sugere a rotulação dos produtos da mesma forma como existem alimentos e bebidas “light” e “diet”. Seria a melhor forma de informar o consumidor.

Resumo da ópera: a questão dos transgênicos é um misto de preocupação social, interesse econômico, exageros, mitos e ditos. Se a presença desse tipo de produto na nossa mesa é irreversível, devemos observar nossos direitos sobre aquilo que estamos consumindo e a melhor forma de enfrentar um mercado mundial cada vez mais competitivo. A biotecnologia, a ciência da nova era, é uma discussão sem ponto final.

quinta-feira, 29 de março de 2007

Prostitutas querem direitos respeitados - 2003

Portaria do Ministério Público revolta prostitutas de Maringá; elas organizam uma associação para garantia dos direitos constitucionais

Marcelo Bulgarelli/Equipe O DIÁRIO

“Polícia vai cadastrar as prostitutas”. Esse foi o título da matéria publicada em O DIÁRIO no domingo passado e que está correndo o Brasil por meio de Organizações Não Governamentais (ONGs) de defesa dos direitos humanos. A portaria prevê o fim do direito de ir e vir de prostitutas, travestis e de profissionais do sexo em geral.

O documento saiu de uma reunião, ocorrida em novembro, entre representantes do Ministério Publico (MP), Policia Civil e Militar em Maringá. Para os que defendem os direitos humanos, a portaria é a institucionalização de uma verdadeira “ limpeza social” devido ao cunho “fascista”.

Surpreendentemente, uma representante da principal parte envolvida resolveu se manifestar. É a cidadã, contribuinte, consumidora, mãe e avó, Arinéia Maria Martins Gonçalves, 37. A mesma carta enviada a O DIÁRIO foi também remetida para ONGs de todo o país e também ao Ministério Público.

Em entrevista a O DIÁRIO, Néia, como é chamada, fala de sua revolta contra a portaria e conta um pouco da história dela. Ela é uma das principais coordenadoras de uma associação de defesa dos direitos dos profissionais do sexo. Também luta por uma cadeira junto ao Conselho de Defesa dos Direitos da Mulher. Sem medo de aparecer.

Como você começou na profissão?

Eu acredito que toda profissional do sexo tem algo que vem desde infância. Sou filha de pais separados, de família humilde, pai alcoólatra...Minha mãe, ainda muito jovem, ficou com três filhos, sem recursos. Desde cedo eu aprendi que para se ter alguma coisa na vida, você deve dar algo em troca... Normalmente a menina que entra na prostituição ela tem necessidade de se segurar em alguma coisa. Daí, o alcoolismo é o meio mais fácil. É difícil existir uma prostituta que não fuma, que não bebe e tem uma que usam outras coisas. Mas isso não faz da gente pessoas desonestas, uma vez que arcamos com nossas responsabilidades... No começo da minha profissão, foi uma necessidade. Não tinha filhos, não tinha estudos. Quando entrei para a prostituição, foi em 91. Meu ex-marido era alcoólatra também e eu não tinha como cuidar das crianças. Me separei de vez e tive que tomar uma atitude. Vim pra rua mesmo, tinha que acabar de cuidar das crianças e dar pra eles um futuro diferente do meu, com escola, uma casa, um amparo de verdade...

Como foi sua primeira relação?

Péssima (risos). O primeiro é sempre o mais difícil. Embora você sabe que precisa daquele dinheiro, o remorso para com você mesma é muito grande. Na realidade, sabe que aquilo não é o que você quer pra você. Hoje eu lido com isso muito bem. Faço a minha profissão porque quero. Poderia simplesmente parar. Mas se hoje eu luto pelos direitos das prostitutas, é porque sei o que passei. É uma opção minha.

Você é uma pioneira nessa bandeira. Deve ser difícil.

Difícil sempre é. Veja a reportagem do jornal. Estão simplificando a gente como prostitutas. É prostituta, não é mãe, não e mulher, não é cidadã. Se resume no fato de ser prostituta. Complicado porque a gente também não tem apoio. Na hora em que vou votar, eu sou cidadã. Na hora que em que preciso do apoio de quem ajudei a eleger, eu sou só prostituta. Acaba que a gente fica reprimida, vem pra rua com medo, mas não tem como parar. Parte das meninas de programa são mães e pais de seus filhos, são donas-de-casa, tem responsabilidade. Não tem como parar.

Como é a noite em Maringá?

É assombrosa. De repente, você sai sabendo a hora que sai sem saber a hora que volta. Não há segurança de lado nenhum. Até um cliente pode se tornar agressivo, pode se tornar seu inimigo.

Qual o pior momento que você já passou?

O pior foi quando meu pai estava doente e seis meses antes dele falecer eu estava desesperada. Precisava de dinheiro. Entrei num carro e o cara me deixou no meio do mato, sem saída. A sorte é que aqui, quando a gente entra num carro, a menina que fica guarda o documento, o dinheiro. Caso contrário, eu teria ficado sem nada.

A reportagem de O DIÁRIO representou a gota d’água sobre o que a sociedade acha de vocês?

Com certeza. É uma hipocrisia muito grande. A sociedade taxa as meninas da rua como prostitutas, como vadias, quando a gente sabe que na sociedade há muitas que freqüentam grandes hotéis e são chamadas de acompanhantes de executivos. Enquanto a gente freqüenta pequenos hotéis que dão emprego pra muita gente, somos consideradas a puta, a vagabunda e o hotel um prostíbulo. Então, chega. Cansamos.

Você está organizando uma associação das profissionais do sexo...

Na verdade já estamos muito mais organizadas do que o pessoal pensa. Quando é pra escolher em quem a gente vai votar, a gente se reúne, procura o que é melhor pra nós. E tem gente que vai pro jornal, faz o que quer e acha que a gente fica sem ter como se defender. Mas nós temos como nos defender e não vamos baixar a cabeça de maneira nenhuma. Doa quem doer. Por que em nós também dói ver no jornal que somos consideradas pessoas desordeiras, um perigo para a sociedade. Será que realmente somos um risco ou a sociedade é um risco pra nós?

E depois dessa portaria, o que vocês pretendem fazer?

A gente não vai parar. Tive agora um contato com a Carmem Lúcia (socióloga e prostituta, uma das maiores lideranças nacionais entre os profissionais do sexo) do Rio Grande do Sul. Nós vamos partir para as organizações de defesa dos direitos humanos. Nós ficamos sem entender direito. A Constituição diz que todo mundo tem direito de ir e vir e a gente lê no jornal que querem tirar esse direito da prostituta. A gente quer uma resposta. E se tivermos que pedir um hábeas corpus pra andar, a gente vai fazer.

Existem quantas profissionais do sexo em Maringá?

Na rua e incluindo as acompanhantes de executivos e “esposas”, umas oitocentas e cinqüenta.

Você fala de esposas. Há muitas mulheres casadas que estão na prostituição e os maridos não estão sabendo?

Talvez até estejam, mas é mais cômodo manter o casamento, pois o título “esposa” encobre muita coisa.

E a polêmica em torno das profissionais que trabalham na área da Catedral. Faltou diálogo?

Exatamente. Eles dizem que debateram muito o problema, mas na reunião nunca tiveram uma profissional do sexo. Pessoal decide e expõe todo mundo, mas não senta para conversar cara a cara. É diferente quanto eles batem na porta da gente, quando eles passam por aqui para pedir voto. Aí, eles se lembram que a profissional do sexo é cidadã e tem título de eleitor.

Hoje você sustenta sua família?

Hoje eu me mantenho. Meu pai já faleceu e minha mãe mora longe e que ajudo da melhor maneira possível. Tenho uma filha adolescente solteira. Sou mãe de três filhas e avó de cinco netos.

Alguma delas vai se tornar profissional do sexo?

Eu tive a sorte de ter tido três filhas. Duas estão casadas e tenho uma ainda solteira. Nenhuma pendeu pra esse lado. Não é o que eu quero. Mas se uma filha minha se torna profissional do sexo, eu vou sentar com ela e conversar para saber o que a levou as isso. E de qualquer maneira vou apóia-la, não como mãe ou amiga, mas como profissional do sexo.

Qual a maior alegria de sua vida?

É viver cada dia, é batalhar pelo que tenho direito. É chegar aqui, mesmo sem ter nenhum cliente. É saber que sou digna por que não vou na casa de nenhum homem buscá-lo. Ele sabe onde me achar.

Conceição Paganele, uma cidadã brasileira

Moradora da periferia de São Paulo cria associação em defesa das crianças em situação de risco e se destaca durante o 2º Encontro de Educação Social, em Maringá

Marcelo Bulgarelli

Equipe O DIÁRIO

Conceição Paganele, cidadã, moradora da periferia de São Paulo. Ficou viúva aos 25 anos com cinco filhos. Seu sonho era criá-los e formá-los, apesar das dificuldades financeiras. Uma família feliz até que o filho mais novo, aos 14 anos, se tornou um dependente químico da maconha e, mais tarde, de crack.

Seu objetivo foi proteger o caçula. Sem perceber, passou a proteger muitas outras crianças, muitas outras mães. Hoje, conhecedora de seus direitos, preside a Associação de Mães e Amigos de Crianças e Adolescentes em Risco, Amar.

Luta contra a arbitrariedade e a ilegalidade de instituições como a Fundação do Bem Estar do Menor, a Febem de São Paulo, onde o filho ficou internado. Mediou rebeliões e denunciou maus tratos.

No ano passado, a Amar recebeu o Prêmio Nacional dos Direitos Humanos do governo federal. Em março de 2002, Conceição foi capa da conceituada revista “Caros Amigos”. Na semana passada, se destacou durante o 2º Encontro Nacional de Educação Social, realizado em Maringá.

Como surgiu a Associação de Mães e Amigos das Crianças em Situação de Risco, Amar?

Surgiu pelo envolvimento de nossos filhos nas drogas e em seguida veio o ato in-fracional e a Febem.

Como a senhora classificaria a Febem?

Como eu classificaria? Aquilo que jamais deveria ter existido. A Febem de São Paulo é instituição que leva tantos valores em dinheiro, que custa tão caro ao Estado e ao invés de res-socializar, de recuperar, de tratar, ela piora a situação. O jovem sai de lá muito pior do que entrou. Então ela deveria ter um fim. Não sei por que existe ou teima em existir.

Desde quando a senhora teve contato com a Febem, chegou a conhecer a realidade de ou-tras instituições?

A internação é algo muito serio. O trato no Brasil ao jovem infrator da camada menos favorecida da sociedade já é desprezível. Já é de exclusão. O que a gente percebe é isso. Quem vai hoje para a Febem, quem hoje está atrás do sistema prisional, são pessoas populares, da classe popular. Então, parece que não muda no Brasil essa questão, parece que não muda no mundo... São os menos privilegiados. Esses são os mais sofridos. A minha grande preocupação é que enquanto a gente se omitir, a gente se calar diante dessa situação, nós só vamos gerar a violência. Quando o adolescente infraciona, quando ele violenta, ele está sendo violentado. Ele só está respondendo tudo aquilo que recebe.

O que leva o jovem ao vício?

A falta de perspectiva de vida.

Falta de auto-estima?

Auto-estima lá embaixo. Hoje o menor da periferia, o jovem , o adolescente, não tem garantias no mercado de trabalho, de uma sobrevivência melhor. E tem o abandono total. Os promotores de Justiça de São Paulo elaboram um boletim de ocorrência, um modelo elaborado pelo promotor de Justiça da Vara da Infância. Quando menino desobedece algumas regras dentro da escola, será feito aquele boletim de ocorrência e encaminhado para lá, levado pra Febem. Isso é um absurdo.

E tem quem quer reduzir...

Tem quem quer reduzir a idade penal. É mais uma aberração, uma estupidez que candidatos mal intencionados fazem política em cima disso. Ao invés de investir na escola, ao invés de exigir as políticas públicas de atendimento a essas pessoas menos despreparadas, eles querem aumentar o grau de violência, engrossar mais as filas no sistema prisional que não recupera, não resolve. É pura hipocrisia e enganação pois eles não podem fazer essa alteração (na lei).

Ser jovem de uma camada popular é muito difícil. Você convive numa sociedade de ex-clusão e ao mesmo tempo essa mesma sociedade o incentiva ao con-sumo. E você tem o di-reito de consumir, mas não tem condições. Isso cria uma expectativa terrível para os jovens.

Sim. Uma situação de conflito. Agora mesmo estou vendo as preocupações de todos os estados e municípios, as medidas de proteção para as crianças de zero a 14 anos. E 14 anos pra frente solta, há um momento de conflito do jovem. É o momento mais conflitante. E aí o tráfico, como é o caso de São Paulo, está aí em todas as esquinas. Eu costumo falar que ele estava na esquina da minha casa, passou pelo portão, entrou pela minha sala e hoje está no meu travesseiro. Porque eu tenho um filho dependente químico. E chamo muita a atenção da população, das mães e da sociedade de modo geral. Assim como ela (a droga) entrou dentro da minha casa, pode entrar no travesseiro de qualquer um se a gente continuar de braços cruzados. Porque essa questão de dar cesta básica, bolsa escola, mil bolsinhas, e não investir e preparar o ser humano, não investir na pessoa para que ela se torne cidadã e conhecedora de seus direitos, isso também não resolve. Vamos parar de hipocrisia e de dar esmola. A população brasileira não precisa de esmola. Precisa é se preparar para o enfrentamento com a crise social. Precisamos estudar. E quando eu falo em estudar, não é estudar cinco, seis horas num banco de escola. É estudar no conhecimento de cidadania, de direitos e deveres. É isso que a gente precisa.

E conhecer o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Conhecer o ECA, a própria constituição. Conhecer o que é ser cidadã. Tenho direitos e deveres, então exijo o que é meu. Tenho direito de ser respeitada, de trabalhar, ir e vir. Mas eu quero os meus direitos garantidos. Não aceito ticket de leite ou cesta básica.

A senhora se aproximou muito da Febem devido ao seu filho, dependente quí-mico. Esses problemas ge-ralmente acontecem com os rapazes. E as moças?

Eu tenho algumas meninas em situação de risco, mas não na prostituição. E é muito pequeno o número de moças em atos infracionais. O que mais temos é meninas sendo usadas no trafico de drogas.

Servindo de “aviões”?

Elas servem. Geralmente quando você conversa com uma mocinha e ela diz que trabalha à noite num barzinho, ela está traficando. Está sendo usada.

Na periferia das grandes cidades, as moças gostam dos rapazes que estão no tráfico. Parece que existe uma certa áurea de herói. Quer namorar aquele modelo...

É que vivemos numa sociedade onde você deve ser bom. E bom de tudo. Tem que chegar na frente, não importa como. E essa questão do poderoso, do cara que matou, ele se torna herói na periferia. Ele acaba de matar e os outros o carregam no colo. E ele passa a exercer esse fascínio nas meninas. É o “poderoso” que a imprensa passa, a tevê mostra. Não existe solidariedade. Existe vencer na frente e dane-se o resto.

E a polícia? Em certas si-tuações os marginais tratam melhor a comunidade do que a própria polícia.

Infelizmente. Eu tenho muita tristeza. Tenho um trauma com a polícia. Me maltratou, me agrediu. Quando vejo uma viatura de polícia, eu odeio. Meu pensamento inicial é de raiva. Na mesma hora eu me reponho: “Ai meu Deus, é um homem numa situação de risco total”. Mas a polícia deixa muito a desejar. É muito violenta , não respeita as pessoas. Quando se aproxima, se aproxima desrespeitando.

E geralmente isso acontece com as pessoas mais pobres. E a maior parte desses po-liciais veio justamente dessa mesma camada social.

São pobres com os mesmo problemas do que eu. Mas parece que com aquela farda deixam de ser seres humanos e passam a ser como monstros. A polícia chegou a me xingar, a me tratar com desprezo. “Seus filhos todos são bandidos?”. Isso num momento difícil, quando eu estava lidando com as drogas do meu filho. E ele preso. Eu estava ali, não concordando com aquele ato infracional de roubo e a polícia entra cheia de arma, engatilhando no meu portão e depois dizendo que todos da minha casa são bandidos e se eu iria passear numa hora daquela. Eu estava na minha casa e ainda me perguntam se eu ia passear.

A senhoras tem quantos filhos?

Tenho seis. Cinco do meu casamento e um adotivo de oito anos.

E o único quer deu problema foi o caçula, o Cássio? Como foi educar os demais? Por que isso aconteceu?

Quando eu fiquei viúva, o Cássio era o caçulinha, tinha três anos. Os outros eu ainda consegui acompanhar um pouquinho na escola, ia levar, buscar. Mas com Cássio foi diferente. Eu saía pra trabalhar e o deixava sozinho, sendo cuidado pelo irmão de oito anos. Não tive tempo pro Cássio. Não teve creche, ficou na rua, aos cuidados dos outros irmãos. E acho que essa falta materna, paterna, fez muita falta pra ele. Ele tem uma carência muito grande. Pra você ter uma idéia, ele me procura 24 horas do dia. Quando ele está em casa e eu trabalhando, me liga a todo instante. Me pergunta “como você tá? Que horas você vem?”. Acho que diante dessa carência, ele buscou uma fuga nas drogas. E não acho que eu falhei. Quem falhou comigo foi o próprio Estado, a comunidade. Porque eu não tinha outro jeito. Eu tinha que trabalhar. Quantas mães têm que trabalhar e deixar seus filhos sozinhos? A gente briga pra que haja medidas de amparo social, quer tenha creche, escola de qualidade e que essas mães tenham melhores salários para poderem viver melhor.

Quando seu filho foi pra Febem, a senhora achou que ele estaria protegido. Afinal, ele estava na “Fundação do Bem Estar do Menor”. Mas o Estado não cria nenhum outro mecanismo para acolher essas crianças.

Quando ele chegou na Febem, a situação dele já era muito perigosa. Ele corria risco e oferecia risco. Eu procurava ajuda na comunidade, procurei até o Ministério Público da Vara da Infância em São Miguel. Eu falava pro promotor: “Meu filho oferece risco. Ele se droga, pega arma emprestada e ele sai pra roubar. Pode tirar a vida de qualquer ser humano”. E roubando carros de pessoas pobres, de quem fez consórcio e passou anos pagando pra conseguir. Isso não era justo. Então, eu queria a proteção de alguma forma. E eu não consegui. E na hora que rouba, ele vai preso, pra Febem. E lá, eu achei que ele teria o atendimento médico, psicoterapêutico, psiquiátrico... A dependência do meu filho é muito séria. Já chegou um momento dele pedir pra amarrar ele dentro de casa.

Ele tem consciência dessa dependência?

Hoje a gente trabalha bem com isso. Mas é muito triste. Imagine você ter um filho com 15 anos e ele pedir pra você amarrar ele para controlar aquele monstro dentro dele? Aquela vontade terrível de usar drogas. Como você amarra, pega uma corrente e prende seu filho dentro de casa? Eu não queria. E eu pedia ajuda. E não tive ninguém que me ajudasse. Quando ele estava dentro da Febem, achei que lá eles iriam fazer o tratamento que ele precisava. Ele estava na mão do Estado, vinte e quatro horas. O Estado não o recuperou por que não quis. O saldo que a Febem me deu foi de uma rebelião em que ele tentou uma fuga. Meu filho não tem calcanhares. Tem platina. Ele hoje tem deficiência física. Isso foi o que o Estado conseguiu me devolver. Não melhorou a situação, nem dos outros meninos. Agora, com muita dificuldade, a gente tenta caminhar com os adolescentes, levando eles pra associação, pra escola. Mas tudo é muito difícil, pois a nossa associação não tem recursos. É uma situação de estremo sofrimento... Mães em desespero, em depressão... Uma situação que o Estado não resolve.

Em determinado momento da sua vida a senhora pensou que estava sozinha. Quando olhou em volta, viu que tinha outras mães. Ali a senhora viu es-perança ou consolo?

Esperança. Eu não estava sozinha, tinha esperança de torná-las cidadãs, de tornar a luta maior. Falava pra elas que se a Febem continuar da forma como está, nós precisamos nos preparar e tomar conta daquilo. Mas parece que a Febem de São Paulo só vai resolver o problema no dias em que as famílias se prepararem e assumirem. Porque são os filhos dessas mães que estão lá. Estão saindo piores do que entraram (Emocionada, Conceição respira fundo e faz uma pequena pausa).

E o Cássio? Tem quantos anos?

Está com vinte. E eu aprendi muito com ele. E aprendi muito com as drogas também. A gente pensa que não... Um dia eu estava triste e meu filho mais velho disse assim, quando Cássio foi preso: “sabe mãe. A gente pensou que os problemas sempre aconteciam na casa dos outros, mas acontecem na nossa também”. O problema estava na nossa casa. E o próprio Cássio me escreveu na semana passada: “você é uma grande heroína”. A gente não tem mais segredo.

Como está ele?

Num presídio em Tre-membé. Não tem atendimento nenhum. É eles por eles mesmos. Mas não tem espancamento. E na Febem tem.

Está preso por quê?

Roubo de carro. Foi a ultima recaída dele. Esteve um ano e meio em casa com a gente. Depois que recaiu, eu achava que ele ia morrer.

E a senhora não é bem vinda na Febem.

(risos) Ninguém que trabalha com a questão da criança e do adolescente é liberado para entrar. Inclusive teve uma rebelião no ultimo final de semana e nós fomos lá, com duas mães, e só conseguimos ver os meninos. Tava totalmente destruída a unidade. No dia seguinte, foi a Comissão de Direitos Humanos que também não conseguiu entrar.

E o Estado nunca se posi-cionou, mesmo depois que a senhora ficou conhecida na mídia?

Eles desmentem. Diz que são pequenos focos de violência, que nada disso existe, que tudo é totalmente controlável. Interessa alguém em manter a Febem dessa forma em que está. Um jovem adolescente, hoje, custa para o Estado entre mil e oitocentos a dois mil reais. Com esse dinheiro eu pagaria um colégio fora do Brasil...

Ou um tratamento.

A gente vê os meninos dormindo no chão. Na UAI, uma Unidade de Atendimento Inicial da Febem, tem capacidade para 63 meninos e lá cabem quatrocentos e cinqüenta.

Assim, eles têm o direito de fugir.

Mas lá eles não fogem. Não tem como. Não pode olhar pros lados e nem se coçar. E nem tem como coçar a sarna, sem se mexer.

E os seus demais filhos? Que idade eles tem?

Cássio, o caçula, tem 20 anos. Viviane tem 21, o Teo 23, Frank 24 e a Valéria 25. Todos estão casados.

E quantos netos?

Dez netos. O próprio Cássio tem duas filhas que eu crio. A menina de quatro anos só fala no pai , amanhece falando no pai dela. Ela cria a bonequinha dela, eu sou a avó da boneca, e tem o pai que tá trabalhando. Em todo o momento da vida dela, ela traz o pai. Isso é um conflito muito grande pra gente. E esse pai faz muita falta. Eu falo com ele sobre isso. E quando ela vai visitar (o pai na prisão) e quer trazer o pai dela junto? E a cadeia toda chora. marcelo@odiario-maringa.com.br

Um ser holístico para o século 21

Encontro de saúde natural e holística reúne em Maringá especialistas em terapias e na nova filosofia que trata o ser humano de forma integrada

Marcelo Bulgarelli

Equipe O DIÁRIO

Esteja pronto. Contra as fragilidades de um mundo à beira da extinção e de um ser humano individualista e competitivo, vem ganhando espaço uma nova filosofia que resgata a pluralidade e a integração do ser. É o paradigma holístico em debate neste fim de semana durante o 2º Encontro de Saúde Natural e Holística.

Na prática, já se verifica o embate entre o velho e o novo pensamento. A forma linear, a especialidade e a racionalidade voltadas apenas para objetivos sem questionamentos maiores, vai cedendo espaço para o holismo. Nele, as ações são multidisciplinares, prevendo as reações em cadeia.

O pensamento “holístico” dentro de uma empresa, por exemplo, é compartilhado por todos, da direção aos fornecedores, passando pelos funcionários. As decisões são planejadas checando todos esses elementos da escala produtiva, ressaltando as possibilidades e

limites de cada um. O crescimento é alcançado devido a uma série de ações desenvolvidas conjuntamente.

A SAÚDE

Assim é o caso da saúde. Ela é encarada como um todo, possibilitando a prevenção antes do tratamento. A própria física moderna defende a análise dos fenômenos a partir da totalidade, não das partes. Assim, não se combate a doença, mas também aquilo que a provoca. Nessa cadeia, vale a maneira daquilo que influencia e é influenciado. Nada é analisado isoladamente.

Essa visão holística agora adotada pelo pensamento moderno é inegavelmente influenciada pelo pensamento orien-tal.Aqui estão incluídas a teoria do caos, análises econômicas, a saúde, física quântica e a relação homem e a natureza. Isso sem esquecer a pluridisciplina-ridade, a possibilidade de se estudar um fenômeno por diversas disciplinas ao mesmo tempo. Isso já ocorre em algumas instituições de ensino, inclusive em Maringá.

NATUROLOGIA

Essa multidisciplinaridade também chegou às universidades. Elas apostam em novas ciências como a Naturologia Aplicada, oferecida pela Unisul de Santa Catarina. A coordenadora do curso, Rozane Goulart, esteve em Maringá falando sobre os novos conceitos e técnicas naturológicas empregadas na prevenção e restabelecimento da saúde integral.

A Naturologia trabalha com praticas da natureza ao indivíduo. Essas terapias incluem a hidroterapia (águas) , cromote-rapia (cores), reflexologia (pontos nos pés e nas mãos que passam pelos meridianos), masso-terapia (massagem) e geoterapia (barro ou argila). São associadas com a aromoterapia, fitote-rapia e florais.

Essas práticas ,aos poucos, estão sendo incorporadas ao sistema de saúde convencional, como é o caso da fitoterapia, no SUS. Prefeituras já incluíram a mesma terapia no Programa de Saúde da Família. Em países da Europa, as demais práticas já foram absorvidas pelas políticas públicas do setor. No Brasil, elas são fáceis de se encontrar nos spas.

BAIXO CUSTO

O naturólogo é mais um profissional na área da saúde do século 21.

A visão do mundo holístico faz com que a pessoa deixe de ser um paciente para se tornar um interagente. É inclusão, proporcionando baixos custos na prevenção de doenças. “É claro que ela não resolve sozinha. Precisamos também de soluções alopáticas”, esclareceu a bióloga.

O curso de Naturologia Aplicada da Unisul, em processo de reconhecimento pelo Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina, foi o primeiro criado no Brasil em nível superior e está formando a primeira turma.

A abordagem abrange até a arte por meio da musicoterpia e arteterapia. Formam um instrumento de integração do indivíduo com a sociedade. Esse primeiro passo já foi dado. Ainda temos muito do que respirar. Profundamente, tranquilamente...

‘Canto dos Malditos’ além dos hospícios

Autor do livro que deu origem ao filme Bicho de 7 Cabeças aponta falhas no sistema jurídico e pede o fim dos hospícios

Marcelo Bulgarelli

Equipe O DIÁRIO

O sistema jurídico brasileiro não tem profissional capacitado para julgar ações de erros médicos psiquiátricos no país. Não há especialistas nessa área. A afirmação parte do escritor, ator e diretor curitibano Austregésilo Carrano Bueno, 45.

Membro do Movimento da Luta Antimanicomial, Carrano é o autor do livro autobiográfico “Canto dos Malditos” que deu origem ao premiadíssimo filme “Bicho de 7 Cabeças”. Em Maringá, ao participar da Semana Anti-manicomial, ele criticou os hospícios, considerados por ele como um “desserviço social”.

O livro dele, por sinal, deve ser recolhido das livrarias devido a uma ação judicial movida pelos familiares de um médico – Alô Ticolaut Guimarães, já falecido - descontentes com alguns diálogos considerados “injuriosos” citados na publicação.

Carrano pretende protestar contra o recolhimento do livro, queimando dez exemplares em frente ao Tribunal de Justiça do Paraná. “Tive queima de visão, uma pequena fissura craniana, problemas na coluna. Ele arrebentou com minha vida e sou eu que estou injuriando o cara?”, questionou. Esse será mais um capítulo na vida desse ex-paciente contra as instituições psiquiátricas.

“Canto dos Malditos” é a experiência do escritor nos três anos que passou confinado em quatro hospitais psiquiátricos. Carrano teve sete retornos e sofreu 21 aplicações de eletrocho-que. “Você fica preso num quarto, quatro horas antes de ser eletrocutado. A voltagem é de 180 a 460 volts e você pode fraturar fêmur, clavícula, maxilar, além de lesões celebrais”.

INDENIZAÇÃO

Em maio de 98, o escritor moveu a primeira ação indenizatória por erro médico psiquiátrico da história do país contra dois hospitais psiquiátricos e dois médicos psiquiatras. Carrano garante ter sido vítima de erros de diagnósticos que o levaram várias vezes internado em sanatórios, e exige uma indenização de R$ 10 milhões.

A ação de indenização por danos morais, psíquicos e físicos foi contra o Hospital Espírita de Psiquiatria Bom Retiro, Hospital de Neuro Psiquiatria do Paraná – ambos em Curitiba - e os médicos Alexandre Sech e Alô Ticolaut Guimarães.

Em 99, a vítima se tornou ré, graças a um revés jurídico provocado pelas famílias e instituições dos acusados. Foi condenado a pagar R$ 60 mil.

No entender de Carrano, isso mostra a inexistência de juízes e desembargadores com capacidade para julgar questões relativas à saúde mental no Brasil. “Nenhum advogado ou juiz sabe a voltagem de um eletrochoque e nem os seus efeitos. Desconhece as causa de um coquetel de remédios em um paciente. Como podem julgar alguma coisa?”, martelou.

Como se não bastasse, as duas instituições entraram recentemente com uma outra ação exigindo o pagamento de R$ 5 mil de Carrano toda vez que ele citar os nomes dos médicos ou dos hospitais na imprensa. “Com certeza eu serei condenado aqui no Paraná”, afirmou o escritor, “mas vou recorrer ao Supremo (Tribunal de Justiça)”.

TÃO LONGE, TÃO PERTO

A verdade dos hospícios está longe das mentes consideradas sãs. “Visitar uma instituição durante uma ou duas horas, é uma coisa. Mas acordar na madrugada ouvindo gente gritando e correndo, defecando pelos corredores... E você preso no pavilhão, sem poder fazer nada, é outra realidade”.

A situação para os pacientes de saúde mental torna-se mais crítica com a introdução de uma aparelhagem desenvolvida em laboratório americano, avaliada em US$ 30 mil, para aplicação de eletrochoques. Esse aparelho já estaria sendo negociado diretamente com os hospitais psiquiátricos brasileiros.

Os hospícios, segundo o modelo atual, são também considerados como “a galinha dos ovos de ouro”. A saúde mental é a terceira maior despesa do SUS , perdendo apenas para pacientes com problemas cardíacos e respiratórios. O Brasil tem 267 instituições que confinam mais de 70 mil pessoas. “Se gasta em torno de R$ 600 milhões por ano para os donos dos hospícios passearem pela Europa”, denuncia Carrano.

A LOUCURA

Hoje ele é um militante ativo do Movimento da Luta Anti-manicomial, propondo o fim dos hospitais psiquiátricos tradicionais por uma rede de trabalhos substitutivos como centros de atenção psicossocial e serviços sociais terapêuticos. Pelo novo modelo, ficariam internados em hospitais espe-cializados em saúde mental, por um breve período, somente aqueles pacientes que colocam em perigo a própria vida ou a de terceiros. A internação seria em um hospital geral, justamente para não estigmatizar o paciente.

Além da luta antimanicomial, Carrano também questiona o conceito de loucura. Em recente palestra na Universidade Estadual de Londrina (UEL), ele foi surpreendido com a presença de um paciente. Esse foi até à mesa onde estava o palestrante e, calmamente se deitou sobre ela, permanecendo assim durante o debate.

Carrano fingiu que nada havia acontecido. No final da palestra, o paciente também resolveu falar. Contou que certa vez, um psiquiatra lhe havia perguntado se reconheceria quem é louco no meio de uma multidão. A resposta foi simples: todas as pessoas possuem um vaso de flores na cabeça. Os loucos têm um vaso “de-lírios”.



A história de Austregésilo Carrano

Carrano foi internado pela família em 1974, aos 17, depois que seu pai, Israel Ferreira Bueno, achou um cigarro de maconha no bolso de uma jaqueta. O jovem dizia que não era viciado. Apenas fumava nos fins-de-semana.

O próprio pai o levou para o Hospital do Bom Retiro, onde foi atendido pelo médico Alô Ticolaut Guimarães. Era o início de uma série de tratamentos considerados torturantes. Carrano foi submetido a eletrochoques e obrigado a tomar medicamentos, mesmo sem necessidade. Ao sair do hospital, ele ficava trancado no quarto da casa. A família, então, decidiu interná-lo novamente, criando um ciclo crônico de internações. Viveria uma nova tragédia no Hospital de Neuro Psiquiatria, em Piraquara, região metropolitana de Curitiba.

Atualmente, Canto dos Malditos é um livro adotado na Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Nacional de Brasília (UnB) na área de psicopatologia clínica. Boa parte dessa história também está no filme de Laíz Bodanski.

Em Bicho de 7 Cabeças, Carra-no ganhou o nome de Neto - personagem vivido magnificamente por Rodrigo Santoro - e termina quando ele tenta o suicídio. Mas o que realmente aconteceu com Carrano depois desse episódio?

Bem, ele foi para o Rio de Janeiro e mais tarde voltou à Curitiba com a intenção de escrever o livro. Mas ninguém queria editar. Pediam para o autor retirar o nome dos médicos citados. Isso ele não faria.

VÍTIMA

Os originais pararam nas mãos de Leilah Santiago Bufrem, da Editora Universidade Federal do Paraná. O irmão dela também foi vítima do mesmo sistema. Ele havia se suicidado após ter tomado eletrochoques dentro de um hospital psiquiátrico, justamente o Bom Retiro, onde Carrano esteve internado.

O livro, então, foi editado sem modificações ou omissões em março de 1990, sendo recomendado pelo poeta Paulo Leminsky. Em abril do mesmo ano, porém, seria recolhido.

Segundo Carrano, a Editora teria cedido às pressões da família do médico Guimarães.

Durante os sete meses em que o livro pôde ser vendido, Carrano conheceu o Movimento Antimanicomial, coordenado pelo psiquiatra Nacile Daud Júnior. Esse pediu a doação dos fotolitos para a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, na época da administração de Luiza Erundina.

O livro, logo, ganharia uma nova edição destinada à venda indireta. Um desses exemplares caiu nas mãos da cineasta Laíz Bodanski.

Em relação à família, Car-rano guardou mágoas durante um bom tempo, mas depois entendeu que o pai dele também foi vítima do sistema. Afinal, tudo havia ficado escondido entre os muros dos hospícios. “A psiquiatria brasileira oferece à comunidade somente o hospício com alternativa para os que sofrem de doença mental. No meu caso, por exemplo, bastaria uma conversa com uma psicóloga”, analisou. MB

Futebol: subjetividade entre razão e paixão

Nem sempre o melhor time é a garantia da vitória; torcedores sofrem de TPP, Tensão Pré-Partida

Marcelo Bulgarelli

Equipe O DIÁRIO

Nem sempre vence o melhor e o importante não é competir. Difícil entender esse esporte, a pátria de chuteiras. Não são apenas chutes, gols ou qualquer regra para definir a grande arena verde. A diferença está basicamente nos detalhes, pois as regras podem ganhar contornos subjetivos. É o orgulho do vencedor, a oportunidade de xingar uma autoridade representada pelo juiz. Isso é uma partida de futebol.

E o futebol não se compreende apenas entre os quatro cantos do campo. A emoção é do torcedor. Seu perfil é de um cidadão comum que tem nesse esporte a chance de ser campeão, de se afirmar, se orgulhar. “Campeão do mundo”, talvez. Numa vida tão curta em um mundo inóspito, perdoa-se a paixão. Ou melhor, tenta-se compreendê-la.

Esse processo introspectivo é observado pelo psicólogo Celso Correa, um apaixonado por esportes com trabalhos desenvolvidos junto aos jogadores. Hoje também é dirigente da Associação Marin-gaense de Futsal (Amafusa). Segundo ele, o torcedor descarrega todas as suas emoções e frustrações, esquecendo que a partida é apenas uma passagem e não um fim.

O sociólogo Fábio Viana Ribeiro, autor de uma dissertação de mestrado sobre futebol e mídia, mostra suas teses sobre a paixão do brasileiro pelo esporte. Pra começar, ele volta ao tempo lembrando o fascínio que as praticas esportivas sempre exerceram sobre o homem. A própria palavra torcedor parece dizer tudo. Aqui, “se torce” a realidade.

IMPONDERÁVEL

O futebol é um esporte peculiar e de fácil improvisação. Basta uma bola qualquer (até uma laranja) e dois objetos para se improvisar uma baliza. É também democrático. Um baixinho e gordinho como Maradona – o revés de qualquer estereotipo de um atleta – pode se tornar um craque.

O que fascina é o imponde-rável. Praticado com os pés, torna-se um esporte mais difícil em relação às outras práticas coletivas. Isso só aumenta a imprecisão de um resultado, segundo Viana. No vôlei ou no basquete, vence sempre a melhor equipe. Já o futebol é uma bola cheia de surpresas.

Mais interessante ainda é que essa imponderabilidade é feita de modo sutil. O futebol tem um jogo, mas muitas das regras estão à parte. Oficialmente, o esporte se baseia em 17 regras outras sub-regras, mas nenhuma delas é absoluta. Exemplo básico é a sempre polêmica lei do impedimento. “A regra do impedimento é pra sacanear o juiz pois pressupõe que ele tenha uma visão de dois locais ao mesmo tempo”, explica.

É apostando nessa subjetividade que o futebol ganha emoção a ponto da própria Fifa não permitir o uso de tecnologia para facilitar a vida do árbitro. Ele pode errar, mas não deve.

E no entanto é preciso vencer. A frase “o importante é competir” desaparece automaticamente na hora em que o jogador verifica o placar.

TENSÃO PRÉ-PARTIDA

Não é à toa que podem ser observados no torcedor os mesmo sintomas da Tensão Pré-Mestrual, a TPM. No caso, uma TPP, Tensão Pré-Partida. Ele fica ansioso, irritado, mal humorado. A psicologia entende esse sofrimento exagerado como uma evasão infantil da personalidade, uma reafirmação da masculinidade.

No Brasil o futebol é o assunto comum. “Quando se quer puxar assunto, fale sobre futebol”, orienta o sociólogo. Assim, quem não acompanha o esporte fica fora do meio social.

É lógico que o sistema político social tem um outro jogo para tratar do assunto. A vitória de uma seleção brasileira pode ser cooptada de várias formas por diferentes regimes políticos. A esquerda brasileira não esquece de como a ditadura militar soube aproveitar do tricampeonato de 1970. Isso sem esquecer do título armado pelo governo argentino em 78.

Esse ufanismo esportivo – sempre percebido pelos regimes políticos desde a 2ª Guerra Mundial - se reflete na forma como os locutores esportivos narram as partidas. É o Estado em jogo. Momento ímpar das nações saírem do mapa para ganhar um “respeito mundial”. “Torci, sofri, mas afinal ganhei do mundo”, escreveu a dupla Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle em uma composição de 1970. É esse o suporte fantasioso de nação ideal.

ÍDOLOS

Por outro lado, Viana tem observado que as mudanças no futebol mundial também estão mudando o perfil do torcedor. Hoje, quem torce já não é tão fanático como antigamente. Percebe que seus ídolos já não são os mesmos. Mudam de clube como se mudassem de roupa. Há pressão dos patrocinadores e muitos atletas jogam com um olho na bola e outro no contrato. A lógica do mercado está mudando o ponto de vista do pessoal da arquibancada. “O torcedor não discute apenas o esporte, mas também os patrocinadores. A torcida está incorporando essas mudanças”, conta Viana.

Um exemplo dessa mudança foi o vazio deixado por Airton Senna na Fórmula 1. Ele representava “o grande vencedor”, sempre compartilhando cada vitória com os brasileiros. Bastava desfilar com a bandeira nacional. Mas a realidade é outra. O ídolo está morto e o único brasileiro com chances na Fórmula 1 se deixa vencer para um companheiro de equipe. Esse é o mercado e as pessoas já não são tão passivas.

JOGADORES

Pelo menos, essa lógica ainda não cabe à seleção brasileira de futebol. Os onze jogadores levam a camisa da nação, de um país onde cada brasileiro – mesmo sem entender de futebol – tem um time de coração. É como um signo, uma identidade. “Quem muda de time está promovendo uma desonra. É algo inconcebível. Há quem diga que só é possível trocar de time até aos 9 anos”, comenta o sociólogo.

E o comportamento dos jogadores? O psicólogo Celso Correa sempre acompanhou atletas de Maringá e sabe como é pressão exercida sobre eles. Infelizmente, a figura do psicólogo é colocada no escanteio. Na Copa de 98, o Brasil contou com escritor de livro de auto-ajuda. “O diferencial é o equilíbrio para suportar as pressões. A nossa seleção é centralizada na figura do técnico. Isso é um erro. Ele fica sem chances de errar”.

Assim, a psicologia e a sociologia tentam entender o que se passa fora e dentro do campo. Enquanto a bola for redonda, ela estará desenhando estranhos mosaicos na enorme tela verde. A paixão – desenfreada ou não – move a esfera, retalha o ar e fere as redes. O gol é um parto necessário e o drible a sua concepção (Mas cá entre nós: por que o Felipão não convocou o Romário?). marcelo@odiario-maringa.com.br



A Pelada

Chico Buarque

Livremente inspirado no Football Association, a pelada é a matriz do futebol sul-americano e, hoje em dia, mais nitidamente, do africano. É praticada, como se sabe, por moleques de pés descalços, no meio da rua, em pirambeira, na linha de trem, dentro do ônibus,

no mangue, na areia fofa, em qualquer terreno pouco confiável.

Em suma, pelada é uma espécie de futebol que se joga pesado o chão.

Neste esporte descampado, todas as linhas são imaginárias ou flutuantes como a linha da água no futebol de praia. E o próprio gol é coisa abstrata. O que conta mesmo, é a bola e o moleque.

O moleque e a bola.

E por bola posso entender, um coco, uma laranja ou um ovo (pois já vi fazerem embaixada com um ovo).

Taí, quando o moleque encara uma bola de couro,

mata a redonda no peito e faz a embaixada com o pé nas costas, enquanto ele corre de testa erguida no gramado, liso feito mármore, na passagem que salta poças por instinto,

É uma elegância.

Mas se a bola de futebol pode ser considerada a sublimação do coco, ou a reabilitação do ovo, ou uma laranja em êxtase, para o peladeiro o campo oficial, às vezes, não passa de um retângulo no chão.

Por isso mesmo, nas horas de folga , nossos profissionais correm atrás dos rachas e do futvôlei como Garrincha largava a chuteira no Maracanã para bater bola em Pau Grande.

É a bola e o moleque.

O moleque e a bola.

Meninos e bonecas provocam polêmica -2002

Psicanalistas aprovam a brincadeira, mas machismo fortalece o preconceito; brincar com boneca pode colaborar na formação do futuro pai

Marcelo Bulgarelli

Equipe O DIÁRIO

Você daria uma boneca para o seu filho? Ou você daria um carrinho para sua filha brincar? O debate sobre o papel social dos sexos no processo de educação das crianças cresceu em Maringá após a publicação do livro “O Menino que Ganhou uma Boneca” de Majô Bap-tistoni, lançado em março. A autora, membro do grupo Vez e Voz da Mulher, não imaginava tanta polêmica ao contar a simples história de um menino que brincava de ser pai.

O psicanalista Raymundo de Lima, doutorando em Educação pela USP, se surpreendeu com o conteúdo do livro, pois a obra abre um bom debate sobre a dimensão psicológica, ética, moral e cultural da sociedade. “Quem criticaria o machismo anos atrás? O livro não visa apenas embalar, mas abalar os nossos preconceitos”. A publicação mostra, então, um avanço nessas discussões.

Lima também debateu o conteúdo do livro com o filho Igor, 9 anos. A criança já foi vítima de preconceito – acredite se quiser – pelo fato de estudar piano clássico. Arredio no início, Igor leu o livro de Majô e gostou. “O livro é destinado às crianças, mas deve ser lido principalmente pelos professores”, acrescentou o psicanalista.

DIVERGÊNCIAS

Boa parte dos homens se chocou com o conteúdo da publicação. Até uma orientadora educacional disse preferir ter um filho machista ao invés de presenteá-lo com uma boneca. Baptistoni também ouviu muitas piadas de colegas. Um amigo chegou a dizer que o filho dele somente brincaria com boneca se essa fosse “inflável”.

A autora ressalta, contudo, a importância de eliminar o complexo de culpa de meninos que brincam ou já brincaram de boneca. Como poucos pais compram esse tipo de brinquedo para os filhos, essas crianças acabam brincando com as bonecas da irmã ou de uma coleguinha. Porém, os meninos deixam a brincadeira de lado quando começam os apelidos de “maricas” ou “boiola”.

O LIVRO

Mas o conteúdo da publicação é tão polêmico assim? “O Menino que Ganhou uma Boneca” conta a história de Paulinho, um menino de 4 anos que ganhou o inusitado presente. Ele e a família desconhecem quem foi o autor do agrado. Chegam a imaginar a possibilidade de ter havido alguma troca de embrulhos na loja.

Mas Paulinho acaba gostando da boneca, apesar dos preconceitos dos coleguinhas. Mais tarde, a tia tem um bebê e ele descobre que o tio sequer sabia segurar a criança.

Paulinho passa também aceitar as meninas brincando de carrinhos. Afinal, assim como as mães, elas também serão motoristas quando crescerem. “O final não precisa ter uma moral da história, mas uma proposta de reflexão, de ato”, comenta Lima. E acrescenta: “a liberdade do ser humano é a opção de escolhas. O maior perigo, contudo, é alguém escolher por ele”.

SEM CULPA

A psicóloga Marta Dalla Torre Fregonezi, psicanalista em formação na Biblioteca freudiana de Curitiba, também observa: “Visto pelo viés da psicanálise, todo sujeitinho quando vem ao mundo, vem para ocupar um lugar idealizado por estes que o aguardam, pais e familiares. É, portanto, na expectativa desse adulto que ele se constrói como menino ou menina. Lugares que sempre foram bem definidos entre o rosa e o azul e pelos papéis sociais como ‘isso é coisa de menina, coisa de mulher, ou homem não chora’”.

Historicamente, a psicóloga analisa as mudanças ocorridas após a 2ª Grande Guerra, o advento da pílula anticoncepcional e outras revoluções compor-tamentais. Esses momentos derrubaram a ingênua crença de que a diferença sexual se faz apenas por referência externas.

“As brincadeiras só correm risco de se transformarem em ‘verdade’ se o olhar que o adulto lhe dirige estiver marcado por preconceitos e medo, antecipando o que não é. Dar lugar, antes de qualquer coisa, à criança para ser criança, é possivelmente garantir ao menino vir a ser homem e a menina vir a ser mulher, nesta diferença radical de sexo. Diferença necessária pois constrói a família, mas que não impede de serem parceiros ao invés de estarem no eterno embate masculino/feminino, homem/mulher”, arrebatou Fregonezi.


A boneca como material pedagógico

Menino pode brincar de boneca. O Colégio Paraná, em Maringá, esta há um ano acabando com o preconceito. As crianças da faixa etária de três a seis anos da Educação Infantil “adotaram” uma boneca batizada de “Sandy”. Cada aluno deve passar um dia com a “colega” em casa, sem esquecer da alimentação, da hora de dormir e dos demais afazeres para com o “bebê”.

A intenção inicial dos educadores era ensinar as crianças a conservação dos brinquedos. “Sandy”, então, surgiu como a personagem ideal, desenvolvendo a responsabilidade por parte dos alunos. Meninos e meninas aceitaram naturalmente a nova “coleguinha”, sempre vestida com o uniforme do colégio.

Mas nem todos os pais deixaram os filhos brincarem com a boneca. “Ainda há muito preconceito, mas nossa intenção é incentivar a responsabilidade, a fantasia e a criatividade”, esclarece a coordenadora pedagógica Rosa Scharf Minetto.

A brincadeira também ganhou uma certa rejeição entre os meninos mais velhos. Influenciados pelos irmãos e vizinhos, eles já temem as implicâncias e preconceitos. Por outro lado, segundo os educadores, o mais importante é a abertura do debate, indicando uma nova postura no futuro do papel social dos homens e mulheres.

Além do livro de Bap-tistoni, também é possível encontrar nas livrarias a obra do sexólogo Marcos Ribeiro, “Menino Brinca de Boneca?” (Editora Salamandra). O prefácio é assinado por Marta Suplicy . Segundo o autor, o menino brinca e deve brincar de tudo que lhe dê prazer. A intenção é mostrar que ele não se tornará homossexual no futuro somente porque brincou de boneca. Marcelo Bulgarelli

Maringá nasceu de um aceno de adeus (Maio,2002)

A canção que emprestou seu nome ao município, foi inspirada num fato ocorrido em Pombal, na Paraíba, a mais nova cidade-irmã de Maringá

Marcelo Bulgarelli

Equipe O DIÁRIO

Cidade de Pombal, Paraíba, década de 20. Uma família de retirantes arruma seus poucos pertences em um pau de arara. Um jovem casal se despede. Ela, bonita, deixaria a cidade junto com a miserável família para tentar uma vida melhor em São Paulo.

Era a família de Maria. Da cabocla Maria do Ingá.

Ele, um jovem mais triste ainda. Sem dinheiro, não tinha condições de embarcar no caminhão. Todas as economias daquela família eram mínimas para a longa viagem. Não haveria espaço para mais um corpo franzino. E muito menos para mais uma boca.

O pau de arara parte, deixando no ar o último toque de mãos entre Maria e o namorado. Ele corre atrás do caminhão, armazenando todo o fôlego possível até desistir, em meio a poeira. Não há registros sobre o nome do caboclo que ficou. João Sem Ninguém? Talvez.

No bar próximo, um grupo de amigos assistia a cena. Comovidos, chegaram a recolher moedas perdidas nos bolsos, mas poucos réis não seriam suficientes para cobrir os gastos da viagem ou para conformar os corações daqueles jovens separados pela miséria.

Eles conheciam Maria. Ela morava numa região conhecida como Ingá, nas margens do rio Piranhas. Daí o seu nome. Moça prendada, desde os 12 anos já preparava pratos típicos. Com um sorriso encantador, era a alegria da centenária cidade paraibana até o dia do adeus parado no tempo.

JOUBERT DE CARVALHO

Rio de Janeiro, capital da República, 1930. Joubert Gontijo de Carvalho era um mineiro de Uberaba recém-formado em Medicina na capital federal e apaixonado por música e versos. O pai, Tobias de Carvalho, sempre o aconselhou a ficar afastado dos pianos e violões. Na aristocrática família Carvalho só eram permitidos médicos ou advogados.

Joubert passava por um momento difícil. Recém-formado em medicina, lhe assustava o fato de gostar mais do piano do que do bisturi. Porém, nunca foi um boêmio. Apesar de ter estudado medicina a pedido do pai, sempre se destacou como um aluno exemplar. Ao contrário de Noel Rosa, boêmio inveterado. Esse já havia tomado o rumo da boemia ao abandonar precocemente o curso de medicina.

UM EMPREGO

Mas Joubert não podia se dar a esse luxo. A sombra paterna parecia segurar a sua mão antes de ameaçar qualquer nota no violão. Necessitava de um emprego seguro. E foi em um anúncio de jornal que descobriu a existência de uma vaga para médico no Ministério de Viação e Obras Públicas.

Na época não existiam concursos públicos. Joubert recorreu, então, ao amigo, poeta e político Rui Carneiro, chefe de gabinete do ministro da viação, José Américo de Almeida.

- Joubert, vá você mesmo lá e peça, disse Rui.

- Mas eu não tenho jeito pra essas coisas.

- Por que você não faz uma canção falando dessa seca no Nordeste? Ele está fazendo açudes por lá, faça uma canção.

- Onde é que José Américo nasceu?

- Em Areias.

- Areias está meio ruim. E você, onde nasceu?

- Em Pombal.

- Pombal, Pombal, Pombal... Está ótimo... “Antigamente uma alegria sem igual dominava aquela gente da cidade de Pombal... mas veio a seca toda chuva foi-se embora, só restando então as águas dos meus óios quando chora...”

A canção surgiu ali, na sala de espera do gabinete. Joubert também queria saber de uma cidade do Nordeste em que a seca foi tremenda. Rui citou várias, inclusive Maria do Ingá, interior da Paraíba, distante 87 quilômetros de João Pessoa.

Independente da música, o médico garantiu a vaga no Ministério, conseguiu satisfazer a vontade do pai e ao mesmo tempo pôde se dedicar à música. Joubert chegou a ser nomeado para o cargo de médico do Instituto dos Marítimos, onde fez carreira.

A homenagem, porém, ficaria para o amigo Rui, ilustre filho da cidade de Pombal, também na Paraíba. Foi ele mesmo que teria contado para Joubert, durante uma conversa em um bar no centro do Rio, a triste história de uma cabocla chamada Maria do Ingá.

SERÁ LENDA?

Joubert ficou emocionado com o relato sobre a família de retirantes e do desespero do namorado de Maria, deixado em Pombal. Mas seria tudo aquilo verdade ou lenda? Rui, então, revelou. Ele era um dos rapazes que estava no bar, uma das testemunhas do adeus. Provavelmente, foi o próprio amigo de Joubert quem batizou a triste moça de Maria do Ingá, também inspirado na lenda de uma cabocla conhecida com este nome, vítima da terrível seca em 1877. Convencido, Joubert partiu para o escritório a fim de terminar a composição.

Varou a madrugada compondo a toada. O refrão estava pronto: “Maria do Ingá, Maria do Ingá, depois que tu partiste tudo aqui ficou tão triste que eu fiquei a imaginá”. Não, não estava bom. “Maringá, Ma-ringá, depois que tu partiste...”. Foi o último retoque. A obra-prima estava pronta.

PELAS ONDAS

DO RÁDIO

“Prezados ouvintes, vamos ouvir agora a composição Maringá, de Joubert de Carvalho na voz de Gastão Formenti”, anunciava o locutor da rádio carioca em meados de 1932. A toada tomaria conta do Brasil e dividiria as paradas ao lado da marchinha O Teu Cabelo Não Nega (Irmãos Valença e Lamartine Babo) e do bolerão “Aquellos Ojos Verdes”.

Durante algum tempo, muitos atribuíam que a letra de Maringá fosse do poeta Olegário Mariano, também parceiro de Joubert em outro clássico, “De Papo pro Ar”. Mais tarde, o jornalista e compositor David Nasser descartou essa hipótese.

MARINGÁ

Noroeste do Paraná, década de 40. A Companhia Melhoramentos Norte do Paraná explorava a região e colocava à venda as glebas que lhe pertenciam, implantando núcleos urbanos. Famílias inteiras derrubavam as matas. Tempos difíceis. As poucas horas de lazer, porém, eram dedicadas aos bailes improvisados. Se escutava muita toada...

Em 1947, Elizabeth Thomas, esposa do presidente da Companhia Melhoramentos, sugeriu que a composição desse nome à cidade recém-cons-truída pela empresa. Foi um fato inusitado. Em todos os países do mundo, cidades emprestam seus nomes a canções. Raro, no entanto, uma canção dar origem a uma cidade. Sobre a mesa dos engenheiros da empresa, os rascunhos tinham um novo nome: Projeto Maringá.

Em 1959, Joubert visitou Maringá para inaugurar a antiga rua Bandeirantes, que passou a receber o nome dele. Dez anos depois, ele recebeu um convite do então prefeito de Maringá, Adriano José Valente, para ser o embaixador de Maringá no Estado da Gua-nabara. Aceitou na hora e ainda retribuiu com a música “A cidade que virou canção”.

O registro fonográfico dessa composição é raro. A TV Cultura de São Paulo mantêm em seus arquivos um programa da série Ensaio em que o músico apresenta esta canção junto ao piano.

CIDADE IRMÃ

Pombal, maio de 2002. O local da tragédia dos retirantes que batizou Maringá. Distante a 380 quilômetros de João Pessoa, hoje Pombal tem pouco mais de 29 mil habitantes e ainda preserva seus prédios coloniais junto aos rios Piranhas e Piancó. Fundada por Marques de Pombal no século XVIII, tem sua economia baseada na agropecuária. Atualmente, a maior novidade é a construção de um minishopping.

O povo pombalense homenageia Joubert de Carvalho e sua obra-prima dando o nome de Maringá para uma rádio FM, um clube campestre e a um restaurante. A toada, por sinal, é um hino lendário de Pombal.

Hoje, o município parai-bano é uma cidade irmã de Maringá graças a lei sancionada em novembro do ano passado pelo prefeito José Cláudio Pereira Neto. O projeto, de autoria dos vereadores Paulo Mantovani (PSDB) e Manoel Álvares Sobrinho (PDT), possibilita os convênios e intercâmbios culturais.

Assim como Joubert , Sobrinho também é médico e quase conterrâneo de Rui Carneiro. Ele nasceu em Serra Negra do Norte, município a 40 quilômetros de Pombal, perto das divisas entre a Paraíba e o Rio Grande do Norte. O vereador foi um grande entusiasta do projeto das cidades irmãs.

É uma honesta homenagem ao local do adeus da cabocla retirante. Se foi lenda ou um fato testemunhado pelo poeta Rui Carneiro, não importa. Maringá nasceu de Maria. Cidade mulher.marcelo@odiario-maringa.com.br

Agradecimentos: Vereador Manoel Sobrinho, historiadores Reginaldo Benedito Dias e João Laércio Lopes Leal e professor Arthur Andrade. Bibliografia: A Canção no Tempo de Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello; Maringá ontem, hoje e amanhã de Arthur Andrade; O Fenômeno Urbano numa zona pioneira: Maringá de France Luz, site da Prefeitura Municipal de Pombal (http://sites.uol.com.br/pmp.pombal/), Enciclopédia Folha de Musica Popular Brasileira (Folha de São Paulo) ; História da Música Popular Brasileira/Joubert de Carvalho (Editora Abril); arquivos pessoais do jornalista.

Reality-show e a banalização da sociedade -2002

Psicóloga e sociólogo analisam reality-shows como Big Brother e Casa dos Artistas; programas são considerados como “fábricas que forjam a realidade”, anulando

Marcelo Bulgarelli

Equipe O DIÁRIO

Quanto mais próximo da verdade, tudo mentira. Ratinho não precisa mais recrutar indivíduos em bairros pobres da Grande São Paulo para gravar cenas de falso flagrante em troca de cachê. Vivemos hoje o sucesso dos reality-shows, ou “a vida como ela é”. E não é.

Programas como Casa dos Artistas e Big Brother Brasil estão sendo analisados com atenção por psicólogos e cientistas sociais. Em recente palestra no auditório Hélio Moreira, a psicóloga clínica Ângela Maria Pires Caniato – junto com uma platéia de alunos da área – dissecou todo o conteúdo ideológico embutido nesses reality-shows.

Não foram tratados como meros programas de entretenimento, mas ferramentas que reforçam a manutenção das castas sociais, anulam a solidariedade sem deixar chances para a verdadeira realização do indivíduo: o direito à felicidade.

Para compreender o Big Brother e programas do gênero, é necessário entender como é a relação mídia-indivíduo. Hoje, a angústia do homem contemporâneo está justamente nessa incapacidade de discernimento diante da bateria de informações despejadas diariamente pela mídia. Esse excesso estrangula a capacidade de reflexão, de reação, do senso crítico.

O bombardeio de informação cria uma nova censura pois todas as questões apresentadas ficam no nível da superficialidade. Não há tempo hábil para raciocinar. Freud chamaria isso de regressão primitivas do pensar humano. “É o pensamento irracional tal como a tevê veicula. O excesso impede o raciocínio”, sintetiza Caniato.

SEM VALORES

Portanto, pode-se observar essa anulação do indivíduo proposta pelos reality-shows, considerados como fábricas de forjar a felicidade. Caniato entende os programas como uma distorção da busca do ser humano que tanto lutou pela vida plena, pela realização afetiva e sexual. Nos programas, esses valores são abandonados. Fatores íntimos como desejo e gozo são agora encenados, são farsas.

Ainda assim, o telespec-tador tem a ilusão de interação. Mas ele não possui contato com o outro lado, o mundo da tevê. A interação é abstrata, ilusória. “É um telespectador na sua solidão, na tentativa louca de buscar um companheiro que não conhece ele, personagens que estão representando ou aparentando espontaneidade, como é o caso do Big Brother”, analisa.

COMPETIÇÃO

Em outro programa semelhante, No Limite, também é explicitada a banalização do mundo competitivo da sociedade atual. Essa competi-tividade é apresentada pela mídia como se fosse algo inerente à natureza humana. Dá a idéia de que é normal viver em uma sociedade em que só haverá um vencedor, sem lugar para todos.

E quem será esse vencedor do Big Brother, o herói que vai sair do programa com 500 mil reais? Será, obviamente, aquele disposto a realizar todas as tarefas, o que for mais hábil em todas as áreas, sem limites humanos. Aqui o culto do herói seria também o culto do sofrimento. Mais uma vez a mídia quer mostrar que a exclusão é um processo natural, não um fenômeno de uma sociedade excludente. Valoriza-se a exclusão e não a inclusão.

Um dos fatores que levaria essas pessoas a se exporem diante de milhões de telespec-tadores é o desejo de mostrar algo que elas não tem. Caso contrário, não precisariam dos holofotes do SBT ou da Globo. Aspas para Caniato: “esse é o narcisismo patológico da atualidade. Se há ânsia de querer mostrar, é porque não tem. É o vazio que se transformou a vida das pessoas e a intimidade de cada um”.

“PAREDÃO”

Em suma, a sociedade quer todos em palco comum, escravos de padrões estéticos e ideológicos e não como indivíduos diferentes dos demais. Nesse ínterim, surge a figura do dedo-duro oficializado, representado pelo participante do programa com direito a escolher quem será o próximo adversário a ser julgado pelos telespectadores. É hora do “paredão”.

Ou seja, o dedo-duro entrega para a sociedade todo o processo de exclusão, mas que na verdade já foi feito anteriormente pelo grupo. É como se o dedo-duro denunciasse para a sociedade a “incompetência” do colega. Aqui ocorre mais uma banalização, desta vez, a cultura da exclusão. E ninguém tem vergonha de ser humilhado. Caso tivesse, reagiria.

Sob o ponto de vista afetivo, os reality-shows mostram o trágico do vazio. São homens e mulheres sem compromisso, sem vínculos afetivos. Ninguém se une. A solidariedade é uma falácia e todos passam a aceitar a idéia vendida pelo Big Brother.

Se mudar de canal, percebe-se que o SBT busca a audiência apelando para o sexo. A vulgaridade torna o programa quase um filme pornográfico, descaracterizando o vínculo homem - mulher do prazer amoroso, sensual. Não há espaço para o afago, a sensualidade e os rituais. A sexualidade, também banalizada, é agora algo trivial para ser mostrado publicamente.

Caniato, por fim, explica que vivemos numa sociedade que de fato estimula a competição para separar e depois dominar. Exige a conformação da infelicidade pelo indivíduo. Ele não pode mais se indignar, reagir, pensar. Resta o sofrimento na frente e atrás das câmeras.

SOLIDÃO

Fabio Vianna Ribeiro, professor do Departamento de Ciências Sociais da UEM e doutorando pela PUC (SP), analisa sociologicamente o fenômeno dos reality-shows mostrando que a tevê sempre buscou - desde os anos 50 - ter a aparência da realidade, apesar de tudo ser um “faz de conta”. É como um filme que imita a realidade com a diferença de que o herói nunca morre.

Nos reality-shows, mistura-se a grande farsa com altas doses de cinismo. É um jogo. Perverso. Ribeiro vê a Casa dos Artistas como uma oportunidade para os participantes alavancarem suas carreiras. No Big Brother a crueldade é mais explícita: é tudo ou nada. É melhor enfrentar a humilhação de ser julgado nacionalmente na frente de milhares de telespectadores do que ser apenas um anônimo, um cidadão comum.

Ribeiro faz uma análise da geração que cresceu nos últimos 40 anos junto com a televisão. Chegou um momento em que as as pessoas não se aproximam mais. É o mundo da incomunicabilidade. Não é fácil a aproximação. Daí o sucesso desses programas, um arremedo do que seria a vida real: ter amigos. As salas de bate-papo da internet são uma prova disso.

O sociólogo, porém, não acredita que meios de comunicação de massa tenham o poder de controlar totalmente a vida das pessoas. “Há espaço de negociação entre as pessoas e os meios de comunicação’’, atenua. Mas de todos os ângulos,

a televisão encontrou o meio de enganar mostrando a verdade. Até nos telejornais. Basta tremer a câmera para dar o impacto necessário do flagrante jornalístico. Ou criar “mise-en-scène” em reportagens tratadas como documentais. Se quiser mostrar a verdade, invente uma linguagem. E junto com a linguagem, as pessoas. Já não há mais tempo para pensar.

O artista e profeta Gentileza

“Gentileza gera gentileza”, lia eu sempre nos muros do viaduto do Cajú quando chegava de ônibus na rodoviária do Rio de Janeiro. Mas “acabaram tudo, pintaram tudo de cinza; a palavra no muro ficou coberta de tinta”, já disse Marisa Monte . Sim, acabaram com a obra do profeta Gentileza, figura até então apenas folclórica que caminhava com uns estandartes pela Rodoviária Novo Rio. Já não é mais um louco. É um poeta. Artista plástico urbano. Profeta. Gentileza gera gentileza. É mais inteligente o livro ou a sabedoria? Amor, palavra que liberta. Marcelo Bulgarelli



Eu pergunto a vocês:

no mundo, meus filhos, quem é mais inteligente,

o livro ou a sabedoria?

Não é a sabedoria?

Então, eu sou a sabedoria, nós somos a sabedoria de Deus.

Gentileza. Beleza. Perfeição.

Bondade. Riqueza. Natureza. Amor.

Está escrito justamente no meu peito.

Aí eu digo pra todo mundo a minha pregação.

Às vezes, venho num ônibus,

um ônibus lotado, aí eu digo assim:

- Olha, meus filhos, todos nós, todos vós, vamos anunciando:

nós queremos Gentileza, confiamos com Gentileza.

Se alguém perguntar quem é o Gentileza, vocês ensinam:

é o nosso Pai, criador celestial.

Por que que Deus é Gentileza?

Porque é Beleza, Perfeição, Bondade, Riqueza, Natureza,

nosso Pai criador.

A natureza não vende terra,

a natureza não cobra pra dar alimentação para nós.

Esse dia lindo,

essa luz que está em cima de nós, a nossa vida,

ou seja, vêm do mundo, é de graça, é Deus nosso Pai quem dá”.

O crescimento mórmon em Maringá

A estaca (diocese) possui cinco capelas na região com um universo de 3 mil fiéis; no mundo, há um novo mórmon a cada 90 segundos

Marcelo Bulgarelli

Equipe O DIÁRIO

Eles se chamam Richard ou Antony. Os nomes e os cabelos louros não escondem a origem norte-americana, mas hoje também é possível encontrar muitos brasileiros entre eles. Faça chuva, faça sol, eles estão presentes nas mais diversas cidades, em locais pobres ou ricos. São os jovens missionários mórmons da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.

A igreja tem origem norte-americana mas está se tornando mundial devido ao grande crescimento, principalmente na América do Sul. E os números mostram a expansão. A igreja é representada em 189 nações e territórios do mundo, com quase 10 milhões de membros. No Brasil, ela chegou em 1923 e se estabeleceu em Maringá em 1963. Na região, são 3 mil fiéis.

O nome mórmon advém do Livro de Mórmon, volume de escrituras sagradas comparável à Bíblia. É um registro da comunicação de Deus com os antigos habitantes das Américas. “Mas nós também acreditamos na Bíblia”, observa Maurício da Glória Gonzaga, presidente da Estaca (espécie de diocese) de Maringá. Além das estacas, a igreja se divide em alas (paróquias), distritos, ramos e missões.

Gonzaga nasceu e cresceu entre os mórmons. O pai era católico e a mãe presbiteriana quando conheceram a nova igreja, em Santos. Como todo mórmon, aos 19 anos Gonzaga participou do movimento missionário no interior de São Paulo. Essa missão não é obrigatória, mas faz parte da tradição religiosa. Os rapazes, com idades entre 19 e 25 anos, passam dois anos como missionários. As moças, um ano e meio. Em todo o planeta eles somam 66 mil.

Entre os mórmons não há clero remunerado e o serviço eclesiástico é voluntário. Aliás, a igreja presta diversos serviços voluntários. No dia 1º de maio, Dia do Trabalho, por exemplo, cerca de 50 mil membros e amigos da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, em mais de 100 cidades brasileiras, ensinam técnicas caseiras de armazenamento de alimentos a asilos, creches, escolas, orfanatos e entidades assistenciais, visando diminuir o desperdício dos alimentos estocados.

As ações voluntárias são bastante comuns, apesar do pouco alarde em torno delas. Ciro Ludgero da Silva, diretor de assuntos públicos e membro do Sumo Conselho da Estaca, lembrou dos ataques de 11 de setembro em Nova Iorque quando os mórmons conseguiram rapidamente reunir 10 mil doadores de sangue. “Aos poucos estamos mudando a idéia de que somos fechados”, disse.

PRECONCEITOS

Mas essa histórica discrição colaborou para o surgimento de alguns preconceituosos contra os mórmons. Eles têm como hábito, por exemplo, estocar provisões e água. É uma prática antiga, mas que nada tem a ver com “a espera pelo fim do mundo” conforme alguns leigos apregoam.

Existe, na realidade, a defesa da auto-suficiência, um plano de bem estar. As famílias chegam a estocar alimentos por seis meses, um ou até dois anos. Se o pai ou a pessoa que sustenta a família ficar desempregado, por exemplo, ele terá condições psicológicas para contornar o problema com mais tranqüilidade. Alem disso, com o estoque, os mórmons não poupam esforços em ajudar parentes nas mesmas situações, possibilitando ainda doações para casos de emergência.

Ludgero é um exemplo da economia mórmon. Ele, certa vez, comprou uma caixa d’água de 1,8 mil litros, uma capacidade muita além de suas necessidades. Mas quando acontecem problemas de abastecimento no bairro, ele é o primeiro a ofertar o precioso líquido para os vizinhos. Os mórmons também são educados para só comprar aquilo que realmente está ao seu alcance.

Outros mitos de que a religião permite a poligamia ou que apenas 400 mil pessoas terão direito ao reino dos céus, também não procedem. O mesmo acontece com as acusações de racismo. Atualmente, os negros vêm assumindo muitas coordenações da igreja, principalmente nos Estados Unidos.

A organização se baseia estritamente na obediência das leis de cada país, independente de ideologia ou partido.

ORIGEM

A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (Latter-Day Saints) é presidida mundialmente por Gordon B. Hinckley, em Salt Lake City, Estados Unidos. Os fiéis explicam que a igreja foi fundada por Jesus Cristo e após sua morte, seguiu sob a liderança dos apóstolos. Com o desaparecimento deles, gradativamente, a mensagem inicial de Cristo foi se perdendo junto com o sacerdócio. Esse período é conhecido como “grande apostadia”.

Somente no século 19, precisamente no dia 6 de abril de 1830, a Igreja de Jesus Cristo, por revelação, foi reorganizada por Joseph Smith Jr. Foi num barracão de madeira, quintal de uma residência de família amiga, na localidade de Finger Lkes, região norte do Estado de Nova Iorque. Os membros explicam que a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias não é propriedade de um grupo de pessoas, sendo dirigida pelo próprio Jesus Cristo.

A Igreja se tornou mundialmente conhecida a partir dos seis membros originais. Depois dos Estados Unidos, o crescimento maior é na América Latina, principalmente no Brasil e no México. A cada três anos, a Igreja recebe um milhão de novos membros. Resumindo: são 950 a cada dia ou um membro a cada 90 segundos.

Os primeiros missionários americanos chegaram ao Brasil há pouco mais de 60 anos. Foram para Santa Catarina e São Paulo. Uma família que havia aderido à Igreja na Alemanha havia imigrado para o Brasil em 1923. Morava em Ipoméia, pequena localidade no sul de Santa Ca-tarina. Com autorização da Igreja em Salt Lake City, começou o trabalho de evange-lização no Brasil. Hoje, em todo o território nacional, são mais de 743 mil mórmons. “Não somos mais uma igreja americana”, assegura Gonzaga.

A FAMÍLIA

No Brasil são 1.600 capelas e 330 imóveis alocados em todos os estados. As unidades existentes em Maringá são iguais as demais espalhadas pelo mundo. As capelas também seguem um padrão, assim como as mensagens. A família está no topo da pirâmide do evangelho.

Esses locais servem às reuniões regulares de estudos das Sagradas Escrituras e para ministrar as ordenanças do evangelho de Cristo. Em Maringá, todos os domingos, famílias inteiras participam dessas reuniões divididas em salas de aula de acordo com a faixa etária.

Há também grupos exclusivos para maridos e esposas. Após esses encontros, todos se reúnem em um grande salão para falar sobre o que aprenderam. Maringá conta com duas capelas, sendo que a estaca compreende unidades em Sarandi, Campo Mourão e Cianorte.

Um trabalho importante realizado pelos mórmons é o Centro de História da Família, também existente em Maringá. A árvore genealógica do todas as famílias é pesquisada no mundo inteiro. Há centros espalhados pelo globo com o objetivo de estudar as origens familiares, sempre com propósitos religiosos. Na prática, para muitos leigos, também é um instrumento na busca de identificação de algum parente falecido. Isso serve para obtenção da dupla cidadania, por exemplo.

A EXPANSÃO

A expansão mórmon pelo mundo impressiona também pelo império material. Em agosto de 97, os mórmons foram capa da revista Time devido a receita anual da Igreja de quase US$ 6 bilhões. Nos Estados Unidos, ela possui cadeias de rádio, de tevês, livrarias e uma universidade, a Brigham Young, em Utah, além das faculdades Ricks, em Idaho.

Os negócios dos mórmons também integram a maior produção mundial de carne e de amendoim, fazendas, industria de sabão, enlatados, agências de viagens, companhias de seguro e imobiliárias. É a tranqüila união entre o material e o espiritual. Essa receita pode ser creditada à fama dos mórmons de serem incorruptíveis. “Até que enfim uma fama que a gente aceita de bom grado”, brincou Gonzaga, lembrando que a igreja abriga membros de todas as classes sociais.

2002

PM fará a segurança de José Cláudio - 2002

PT não quer que prefeitos menosprezem as perseguições
Marcelo Bulgarelli

Da equipe de O DIÁRIO

O chefe de gabinete da Prefeitura de Maringá, Reginaldo Benedito Dias, e o secretário de governo, Silvio Luiz Januário, solicitaram ontem o auxílio da polícia militar para a segurança do prefeito José Cláudio. O pedido será atendido até que o município contrate uma empresa particular de segurança para o controle efetivo.

O major Joacyr José da Silva, responsável pelo 4º Batalhão de Polícia Militar, explicou que não compete a PM fazer a segurança ostensiva, mas neste caso não poupará esforços para garantir a integridade do prefeito. Dias explicou ao major que toda liderança petista está correndo risco de morte e que nada pode ser desprezado.

Um representante de empresa particular de segurança esteve no gabinete de Dias para oferecer os serviços, mas a prefeitura ainda não fez a opção. Por enquanto, a PM cuidará do prefeito somente em eventos públicos.

José Cláudio participou ontem de uma reunião a portas fechadas com as maiores lideranças do Partido dos Trabalhadores, na sede nacional do PT em São Paulo. O objetivo era elaborar a pauta de reivindicações para o encontro do presidente do partido, José Dirceu e de Luis Inácio Lula da Silva (presidente de honra do PT) junto como presidente da Republica, Fernan-do Henrique Cardoso.

“Estamos exigindo uma posição clara para proteger a sociedade civil da violência. Temos certeza que o que está ocorrendo é uma ação orquestrada contra a esquerda, contra nossas administrações e de nossos parlamentares”, disse ontem José Cláudio por telefone ao O DIÁRIO, minutos antes de embarcar de volta para Maringá.

ATO PÚBLICO

Sobre a segurança, o prefeito contou que José Dirceu “botou o dedo em nossa cara” dizendo que “o momento não é para brincadeiras”. Todos os prefeitos de cidades com mais de 200 mil habitantes deverão tomar todas as providencias. Apesar do reforço na segurança, José Cláudio não pretende alterar sua rotina de trabalho: “só vou olhar para os dois lados antes de sair pelas ruas”, sintetizou.

A reunião nacional do PT decidiu ainda promover amanhã um ato público, “Lute pela Paz”, em todas as cidades administradas pelo partido. No dia 20 de fevereiro, data do aniversário do PT, haverá outro evento reunindo todas as forças de esquerda. O local do ato público em Maringá será definido na manhã de hoje.

Durante a reunião petista, Lula também foi duro com as lideranças. Lembrou que o prefeito assassinato, Celso Daniel, era quem contava com mais seguranças entre os prefeitos do PT. Mesmo assim, não teve como evitar a tragédia.

Outra liderança petista que agora também está na lista de ameaças é a vice-governadora do Rio de Janeiro, Benedita da Silva. O próximo da lista, no entanto, seria o prefeito de Ribeirão Preto. “Só tem uma coisa: nós não estamos intimidados. Estamos é enfurecidos. Se for pra correr, vamos correr atrás deles”, resumiu José Cláudio.

PROVEDOR

Sobre o e-mail com as ameaças, recebido pelo deputado federal Aluísio Mercadante, ficou assegurado que não teria partido de Maringá, apesar do provedor ser da cidade. Tudo indica que foi enviado pelo jornal Tribuna de Santos. É possível que um hacker possa ter utilizado o computador do jornal santista.

Até ao final da tarde de ontem, o delegado chefe da delegacia da Policia Federal em Maringá, José Ferreira de Oliveira, não havia ainda recebido qualquer solicitação para o início das investigações em Maringá. Caso isso aconteça, é possível que uma equipe de técnicos especializados da própria PF em Brasília possa tentar rastrear o autor do e-mail.

Ele acredita que tudo vai ainda depender das investigações em Santos. Porém, o responsável pelo provedor de Maringá será em breve convocado para prestar esclarecimentos.

A cúpula do PT tem certeza que as mortes dos prefeitos de Campinas e de Santo André estão partindo de um grupo de extrema direita. No caso, poderia ser a Frente de Ação Revolucionária Brasileira (Farb). Pelo teor do texto que circulou na internet, o grupo teria inspiração fascista ao se dizer de “esquerda”.


AMP pede que governo reforce segurança de prefeitos do PT

O presidente da AMP (Associação dos Municípios do Paraná) e prefeito de Barracão, Joarez Lima Henrichs (PFL), encaminhou ofício ao secretário estadual de Segurança, José Tavares, solicitando que o Estado colabore no reforço do esquema de segurança dos 9 prefeitos do PT no Paraná. Na terça-feira da próxima semana, Henrichs também conversará pessoalmente com Tavares sobre este assunto.

A diretoria da AMP também encaminhou um ofício ao presidente estadual do PT, o vereador de Londrina André Vargas, e ao presidente nacional da legenda, deputado federal José Dirceu, manifestando solidariedade pela perda de dois importantes quadros do partido: o prefeito de Santo André , Celso Daniel, e de Campinas, Antonio Costa, o Toninho do PT, ambos assassinados por razões ainda desconhecidas.

Henrichs lembrou que, embora nenhum prefeito do PT tenha sido vítima de um ato de violência mais grave, alguns deles – como José Cláudio Pereira, de Maringá – já receberam ameaças de morte. “Mesmo que os atos ocorridos em Santo André e Campinas tenham motivação política, não podemos facilitar. Temos que tomar todas as precauções para que atos como este não ocorram no nosso Estado.

REUNIÃO

Ontem, a assessoria do prefeito de Londrina, Nedson Micheletti, informou que embora considere que estes atos de violência não sejam direcionados ao conjunto dos prefeitos do partido, ele deverá propor uma reunião com os colegas dos 8 demais municípios paranaenses governados pele legenda para discutir uma forma de evitar que os atos de violência se repitam no Paraná.

São os seguintes os 9 prefeitos do PT no Paraná: Nedson Miche-letti (Londrina), José Cláudio Pereira Neto (Maringá), Péricles de Mello (Ponta Grossa), Luiz Suzuke (Media-neira), Dionísio Santos de Souza (Porecatu), Luiz Everaldo Zak (Re-bouças), Aparecido Farias Spada (Sarandi), Nilvo Perlin (Serranóplis do Iguaçu), Marcos Vilas Boas Pescador (Vera Cruz do Oeste).

Ciganos formam grupo de ‘esquecidos’ - 2002

Grupos seminômades não contam com o apoio do poder público e tentam sobreviver sem abrir mão das tradições milenares

Marcelo Bulgarelli

Equipe O DIÁRIO

Negros, mulheres, índios, crianças e adolescentes. Uma infinidade de políticas públicas vem sendo anunciada por órgãos federais, estaduais e municipais, mas pouco ou quase nada tem sido feito para resguardar os direitos e a cultura de povos nômades como ciganos. Eles sequer estão mencionados na Constituição Federal.

E são séculos de discriminação e perseguição a uma cultura milenar. Um dos documentos mais antigos, data de 1050 em Constantinopla. Povo de origem nômade - “o chão é a casa” - boa parte dos ciganos hoje existente no Brasil atribui suas origens ao Egito.

É o caso do grupo acampado no bairro Parque Itaipu, em Maringá. São pelo menos 30 ciganos, a maioria crianças, todos da mesma família. A base desse povo fica em Itabuna, na Bahia. Seminômades, estão há um ano em Maringá onde armaram acampamento em diversos terrenos da periferia da cidade.

No primeiro contato com a reportagem, eles foram muito receptivos. As mulheres estavam em casa, muitas com seus coloridos vestidos. A mesma vaidade podia ser verificada nas meninas. Outras crianças brincavam livremente entre as cinco barracas montadas no local.

Fomos apresentados ao mais velho do grupo, Aurelino Fioso Barreto, 82 anos. Negociante, veio com parte da família para o Sul do país para vender diversas mercadorias. Atualmente a família vende toalhas não artesanais, dos mais diversos padrões.

As barracas chamam a atenção pela rusticidade misturada com objetos modernos como televisão e aparelhos de som. Os utensílios da cozinha permanecem espalhados sobre uma mesa dentro da barraca de Aurelino. A água vem de uma mina existente no terreno.

O grupo garante que vive exclusivamente do comércio. As mulheres não lêem mãos e passam o dia cuidando do acampamento e das crianças. A cartomancia nunca teria sido praticada pela família de Aurelino.

Essas tradições são peculiares de determinadas famílias, mas não representam um fator fundamental para a caracterização de um povo cigano. Outras tradições, porém, são mantidas dentro da família de Aurelino: o casamento de pessoas da mesma etnia, a virgindade da noiva e o uso da língua cigana, o Calon.

A língua é uma das formas de proteção dos grupos, principalmente devido ao contato diário com os gadjés, os não-ciganos. Boa parte dos acampados é formada por católicos, mas Aurelino admite que muitos estão optando por igrejas evangélicas. Sem constrangimentos, ele mostra um cartão da Igreja Universal do Reino de Deus, do “bispo” Macedo. É um fiel.

SEM CHANCES

Marcamos um segundo encontro para o dia seguinte, no mesmo local. O fotógrafo Walter Fer-nandes queria registrar com tranquilidade as famílias, seus pequenos hábitos e as belas crianças. Quando retornamos, porém, o grupo havia mudado de opinião.

Não encontramos Aurelino. Ele parecia estar dormindo em sua barraca. Poucas crianças brincavam no acampamento e três homens jogavam cartas sem se importunar com a nossa presença. “Não haverá reportagem”, disse um deles, sem tirar os olhos do baralho. O jogo parecia ter terminado.

Pediram desculpas, mas o líder do grupo identificado como Athaíde Marques da Cruz, de Curitiba, também teria proibido qualquer tipo de foto. A decisão dele é soberana, sem a possibilidade de qualquer tipo de entendimento. Detalhe: as mulheres não estavam mais no acampamento ou teriam se recolhido para as barracas.

Esse tipo de precaução não é novidade entre os povos acampados. Foram séculos de perseguições. Cláudio Iovano-vitch, ator residente em Cu-ritiba e de origem cigana, confirmou que é comum os grupos se resguardarem pois nem sempre a imprensa os procurou com boas intenções.

GRUPOS

“Cigano” é um termo genérico inventado na Europa do Século XV. Atualmente os ciganos e os ciganólogos costumam distinguir pelo menos três grandes grupos. O primeiro deles são os Rom que falam a língua romani. São divididos em vários subgrupos: Kalderash, Matchu-aia, Lovara, Curara. Os Sinti falam a língua sinto. São encontrados na Alemanha, Itália e França. Por fim, temos os Calon que falam a língua calo. São os “ciganos ibéricos” que formam a maioria das famílias existentes hoje no Brasil.

Os grupos não se diferenciam apenas nos aspectos culturais e linguísticos, mas também pelo lado econômico e social. Maringá sempre deu abrigo a grupos formados por ciganos em mutação que vivem em bairros periféricos da cidade. Eles têm grande influência dos gadjés (não ciganos).

Suas atividades econômicas se baseiam no comércio ambulante e trabalhos temporários. Pobres, arredios, desconfiados. E a fama espalhada só atrapalha e marginaliza ainda mais esses grupos que sobrevivem tendo que abrir mão de suas tradições. E estão numa encruzilhada. Ou se aculturam de vez nas camadas economicamente mais baixas da população ou continuam a viver à margem dessa mesma sociedade.

As características culturais dos grupos também não podem ser generalizadas. Mesmo pobres, as mulheres tem o hábito de se vestirem com saias e vestidos coloridos, com pulseiras e brincos. Os homens não tem roupa típica, ao contrário do que é difundindo em circos e espetáculos semelhantes. Desta forma, são facilmente confundidos com um gadjé. Em suma: aquelas fantasias de ciganas que tanto se vende no Carnaval, não tem qualquer relação com a cultura cigana do Brasil e sequer da Europa.

Uma das características ciganas, como sempre, é o noma-dismo. Mas isso não impede que um cigano possa ter residência fixa, trabalhar e estudar. Hoje, na verdade, boa parte é seminômade, como é o caso do grupo que está em Maringá.

Os historiados classificam cigano como aquele “que se considera membro de um grupo étnico que se auto-identifica como Rom, Sinti ou Calon, ou um de seus inúmeros subgru-pos, e é por ele reconhecido como membro”. Não importam os aspectos físicos, o tamanho do grupo ou se mantém ou não as tradições ciganas.

RELIGIÃO

Sobre o crescimento das igrejas evangélicas no meio dos grupos, vale ressaltar que os ciganos não têm uma religião própria. Boa parte é de origem católica. Com o crescimento do número de ciganos evangélicos, perde-se culturalmente uma das festas religiosas atribuída à etnia, a Slava, homenagem a um santo católico, geralmente cercada de rituais.

Campinas (SP) é a capital dos ciganos no país. Lá existe a sede da Igreja Evangélica Pentecostal Comunidade Cigana cujo objetivo é converter 90% dos cerca de 250 mil ciganos que vivem no Brasil. A cidade abriga mais de 400 famílias.

PRECONCEITOS

Quando se fala em ciganos, as primeiras imagens são daquelas mulheres espalhadas no centro de Maringá, sempre se oferecendo para ler a mãos dos transeuntes. Vestem-se com longos vestidos coloridos e usam colares exuberantes. A quiromancia é tradição milenar que atrai a curiosidade de muitos e que intensifica a perseguição por outros.

A discriminação já fez com que os ciganos carregassem rótulos como ladrões de galinhas, de cavalos e de crianças. O cinema, a literatura e até mesmo as artes plásticas sempre mostraram esse povo de forma preconceituosa.

Os homens realizam trocas. Animais ou objetos são mercadorias que passam de mão em mão. Já as crianças, muitas vezes, estão fora das escolas ou são obrigadas a conviver com a educação dos guadjos nos estabelecimentos públicos de ensino.

No Brasil há quem defende a educação especial para as crianças ciganas, assim como já existe um trabalho semelhante voltado para os índios. Faltará, com certeza, material didático-pedagógico e professores qualificados. Outros educadores, porém, defendem a utilização da escola tradicional como meio de acabar com os preconceitos e discriminações.

Mas é injusto apontar o descaso das autoridades na defesa dos direitos dos ciganos sem lembrar que a bibliografia sobre os povos ciganos é muito escassa no Brasil. Geralmente, ela é formada por ensaios científicos como os realizados pelo antropólogo Paulo Sérgio Adolfo da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Assim, o futuro dessa etnia está com o poder público, nas tendas, nas vestes. Ou enquanto existirem linhas nas palmas de nossas mãos.