quinta-feira, 29 de março de 2007

A memória de uma vila chamada Operária - 2002

Livro sobre o pitoresco bairro de Maringá será lançado na quarta-feira no Teatro Calil Haddad; é o início do projeto “Memória dos Bairros”

Marcelo Bulgarelli

Equipe O DIÁRIO

“O homem aguarda pacientemente o nascimento do filho na sala de espera de uma maternidade. É chegado o momento da grande notícia. Mas o que se ouve é um grande barulho denunciando que a janela do quarto onde estava a esposa havia sido destruída. “Nasce um monstro”. E este é o nome do filme que está em cartaz no Cine Horizonte. Grávidas não devem assisti-lo. Médicos estarão na porta do cinema para atender os mais sensíveis”.

Essa era a criativa chamada radiofônica de um filme exibido no Cine Horizonte no final da década de 70, o mesmo cinema que colocou um avião de verdade na entrada para promover uma película sobre um acidente aéreo nos Andes. A publicidade daquele cinema – muitas vezes feita de forma artesanal- marcou a vida dos ma-ringaenses, sobretudo dos que moraram a Vila Operária.

Hoje, a Vila é tema do primeiro livro do projeto Memória dos Bairros. O lançamento será na quarta-feira, 27, no Teatro Calil Haddad. A pesquisa foi realizada entre os anos de 1994 e 1995 pelo Patrimônio Histórico do município, mas somente agora, a publicação foi possível. O atraso serviu para mostrar mais uma vez como sempre foram rápidas as transformações no mais tradicional bairro de Maringá.

Mas está tudo (ou quase) ali. O historiador e secretário de Cultura, João Laércio Lopes, conta que a Vila Operária, também conhecida como Zona 3, foi criada dentro do plano urbanístico para ser um local para as residências dos trabalhadores da Companhia Melhoramentos. É uma concepção inglesa do século 19 em que operários deveriam morar perto do local de trabalho.

Boa parte dos primeiros moradores foi constituída por nordestinos, muitos furadores de poço. Mas a presença portuguesa pode ser notada na arquitetura de certos estabelecimentos comerciais e no sotaque dos comerciantes mais antigos. Hoje o bairro abriga pessoas de todas as classes sociais em construções modernas e edifícios altos.

Na década de 50, a Vila Operária estava na periferia do centro de Maringá. A cidade ainda era pequena. A avenida JK, a peri-metral, formava o anel viário de um município dividido em oito zonas. Hoje, porém, a Vila Operária está integrada à zona central.

O livro é um resgate não apenas para pioneiros, mas para todos aqueles que de uma forma ou de outra passaram pela Vila Operariam conheceram o Esporte Clube Operário, a Colônia do Brega, a Clínica de Repouso Santo Agostinho, Clube Pau-listano, Hotel Bonanza, Guarda Urbana e Hotel São Jorge. Em compensação, temos ainda a Casa estrela, Casa Paraná, Mercearia Mendes e outras.

A Vila Operária também já foi o maior colégio eleitoral de Maringá. Os votos dos moradores eram decisivos nas eleições municipais. Comícios recordistas de público eram realizados na praça Ermiliano Perneta, onde está a Igreja São José.

CINEMA

Na área do divertimento, o destaque era o Cine Horizonte, inicialmente localizado na avenida Brasil e mais tarde na Riachuelo, em um prédio de linhas arquitetô-nicas nitidamente da década de 50, projetado por um arquiteto alemão, Hans Denger. Até hoje pertence à família Del Grossi sendo agora ocupado por uma igreja evangélica. “Casinha Pequenina, Menino Perdido no Deserto, Paixão de Cristo, Marcelino Pão e Vinho marcaram época”, Lembra o fotógrafo Walter Fernandes de O DIÁRIO, nascido e criado na Vila.

Uma curiosidade: a família Del Grossi chegou a produzir um filme em 1950, cujas locações foram realizadas na Vila Operária, precisamente na avenida Monteiro Lobato. O tema era uma aventura de Tarzã na selva. Foi um sucesso.

LAVADEIRAS

Mas o saudosismo parece ficar restrito ao livro. Moradores antigos não têm muitas saudades do bairro quando as ruas eram de terra e as casas de madeira. “Era bom para se ganhar dinheiro. Hoje já não é mais, porém temos mais confortos”, compara o português naturalizado João da Silva, morador desde 1957 e proprietário da Casa Estrela, o mais antigo secos e molhados do bairro.

Uma figura característica da paisagem da Vila Operária até a década de 60 era a do bucheiro, uma pessoa que diariamente saía de casa em uma carroça adaptada com um compartimento em forma de caixa, levando no interior miúdos de boi. Sua presença era percebida quando acionava uma corneta.

Da Vila operária surgiram as “lavadeiras do Ingá”, mulheres trabalhadoras que lavavam as roupas quando o parque ainda não era urbanizado. Elas se utilizavam das minas d’água no interior do bosque para lavar as vestes de quem morava em outras áreas da cidade.

ESPORTE

Não se pode falar da história do esporte em Maringá, sem acrescentar o Brinco da Vila, criado por técnicos da Companhia Melhoramentos e já figurava no plano urbanístico de 1947. Nos anos 50 surgiu o Esporte Clube Operário (Eco) . “A origem do Grêmio foi o Eco”, afirma Cláudio Viola, editor de Esportes de O DIÁRIO.

Em 1976 foi construído o Centro Esportivo Dr. Luiz Moreira de Carvalho com aulas de natação, futebol de salão, handebol, basquete, vôlei e outras praticas esportivas. Houve muita polêmica sobre a localização desse centro, na praça Regente Feijó, mas hoje ele está amplamente integrado com a comunidade.

Também merece destaque o Clube Paulistano, principalmente pelos famosos bailes que oferecia. Infelizmente, o clube foi vítima do preconceito socioeconômico de alguns moradores que reclamavam do barulho. Foi o fim.

As festas populares se concentraram nas quermesses como a tradicional festa da Igreja São José. Sem esquecer o Clube do Vovô, exclusivamente paras o lazer dos idosos. Marcou época também a Sukiake House , misto de restaurante e pista de dança com muitos shows populares.

Há um capítulo dedicado a Mauá, avenida com 2 quilômetros de extensão com 13 quadras com o predomínio do comercio e da industria, onde está situado O DIÁRIO. Também são citadas a Santa Casa - uma referência na saúde de Maringá - e a clínica de repouso Santo Agostinho que abrigava os “loucos” do bairro.

EXCLUÍDOS

O livro aborda ainda a população de excluídos citando nomes de delinquentes como Nuguette, Spock, Coquinho, Baianinho, Tuta, Nego, Esquerdinha, Cocha além do famoso Saroê. Eles infernizavam a vida dos moradores de outros bairros, mas raramente importunavam os habitantes da Vila Operária.

Para as atividades meretrícias, o destaque foi o Hotel Bonanza e o “Pintor”, uma sequência de quartos para atrair a parcela mais popular.

Em suma: o livro é delicioso mesmo para aqueles que nunca moraram no bairro. Hoje, conforme lembra o comerciante Eduardo Del Grossi, os mais novos moradores e comerciantes preferem chamar a Vila de Zona 03 porque a Operária lembra passado, um nome pejorativo.

“Hoje, dizem eles, moramos na Néo Martins, edifício tal, número tal, ou a minha loja está na avenida Brasil, próximo a Igreja São José, ou na Riachuelo próximo ao Cine Horizonte, a duas quadras da Santa Casa” contou ele em um artigo.

Um comentário:

Esileda disse...

Mudamos pra Maringá em meados de 79...tinha 6 anos à época! Ficmaos morando na Av. Mauá por 1 ano e depois meu pai adquiriu o Bar Ivaiporã que virou Bar do gaúcho na Av. Brasil com Henrique Dias! Vivemos por ali mais de dez anos! Na minha adolescêcia pude desfrutar do cine horizonte, das provocações às "mocinhas" do Bonanza, Casa estrela, Praça da Igreja São José e seus eventos, centro esportivo da Vila Operária, Colégio Theobaldo M. Neto, Supermercado Santo Agostinho, SukiaKi House, Yellow, Casa Siria, Salão do toninho, Qitanda do seu Marinho, Padaria Brasil entre tantos outros lugares que deixam saudades...!