Talita W., publicitária, 30 anos de idade e cinco de casamento. A vida seguia o curso aparentemente normal quando uma seqüência de episódios traumáticos mudaria a vida dela e de toda família. A gota d´água foi a morte da mãe, há seis meses, que acabou precipitando o aparecimento de uma doença hereditária que alterna estados de profunda depressão com momentos de euforia exagerada.
Somente um psiquiatra para identificar o diagnóstico: transtorno bipolar, doença que atinge 1% da população e até pouco tempo conhecida como psicose maníaco depressiva. A primeira crise de Talita aconteceu dois meses após a morte da mãe, pessoa com quem ela mantinha vínculos estreitíssimos.
Talita perdeu a noção social. “Vivia com mais vontades do que sentimentos”, explica o marido Paulo, 40, comerciante. Na prática, se ela tivesse vontade de comprar um carro, acreditava que bastava aparecer na concessionária e sair com o veículo novo pelas ruas. Faz o cadastro e não paga. Tenta preencher o ‘vazio’ com bens materiais. Neste caso, Talita queria comprar um carro de R$ 30 mil.
Certo dia, ao limpar o armário, o marido encheu diversas sacolas de roupas novas, ainda com as etiquetas, além de diversas botas de cores diferentes, mas de modelos iguais. “As vendedoras ficavam felizes. O que elas me ofereciam, eu levava”, lembra. “Eu não sei dizer não”. Nessa época da crise, ela chegou a gastar R$ 56 em locação de DVDs para assistir os filmes numa única noite.
Talita havia perdido o vínculo com o marido, com os amigos, filhos. Só ela existia. E alterava momento de profunda depressão com momento de exagerada euforia. Paulo percebeu que Talita estava sacando muito dinheiro em apenas um mês. Foram R$2,8 mil fora do orçamento familiar. Ela pediu desculpas e falou que iria se controlar. No mês seguinte, foram R$ 6 mil. “Quando eu ia comprar uma coisa, às vezes sabia que não tinha dinheiro, mas eu pensava: depois eu dou um jeito”.
No terceiro mês, mesmo sendo controlada e vigiada pelo marido, conseguiu gastar mais R$ 4 mil das economias familiares. No pico da crise, Talita saiu dirigindo sem destino e foi encontrada em Campo Mourão. “Achei que precisava pensar na vida e saí com o carro”, explica, “e parei na Viapar por que passei mal. Mas eles não me deixaram prosseguir viagem. Me mandaram para o hospital. Estava com hipoglicemia, não me alimentava há dois dias”.
Apoio
O apoio e a compreensão da família é fundamental. A pessoa bipolar não sabe que está doente e sequer tem noção de suas atitudes. Cabe a família observar o comportamento antissocial. É a tendência de compras exageradas, vontade de chamar a atenção do grupo e uma série de situações constrangedoras. Perde até a noção de perigo. Até o imaginário passa para o campo do real a ponto de Talita afirmar que iria pra China em dezembro deste ano junto com uma amiga.
Há também momentos agressivos. Numa crise, Talita pegou uma cartela do calmante Somalium e ameaçou tomar todos os comprimidos de uma vez só. Pedro chegou a desafiá-la. Naquele momento ele desconhecia a doença e acreditava que a esposa jamais teria coragem de colocar a vida em risco. “Mas foi só eu virar as costas para o irmão dela gritar do banheiro que ela estava com os comprimidos na boca”, conta Pedro. “Mas na minha cabeça, eu não ia morrer”, completa Talita, “achava que dormiria uns três ou quatro dias e que ao acordar tudo estaria bem”.
Como Talita havia atingido a “área de risco” da doença, acabou internada em Londrina. Foram 15 dias na clínica. Hoje, com a medicação (são R$ 300 mensais), a publicitária sabe da doença e tenta se manter equilibrada graças ao lítio, medicamento comumente receitado nesses casos, sempre acompanhada de dois profissionais especializados. “O psiquiatra me mantém viva e quem vai me curar é a psicóloga. Agora tenho noção das coisas”. Mesmo assim, ainda sofre com picos de ansiedade que ocorrem diariamente das 18 às 21 horas.
(Marcelo Bulgarelli)
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