sexta-feira, 30 de março de 2007

Transgênico confunde e causa polêmica

Marcelo Bulgarelli/Equipe O DIÁRIO

Transgênicos ou não transgênicos. Eis a questão. O assunto é tema de debates calorosos tanto no campus da UEM como nos botequins que circundam a mesma universidade. Professores falam dos prós e contras nas salas de aula, enquanto botequeiros chegam a afirmar que a fórmula de uma nova cerveja contém cevada transgênica.
Se o assunto é novidade pra você, se prepare: a biotecnologia, quer queira ou não, é uma realidade nesse início de século 21. É um momento de mudanças nas regras do jogo da biologia. Isso mexe na saúde e no bolso de todos.
Primeiro passo, é se acostumar com a sigla OGM, isto é, Organismo Geneticamente Modificado. Ou, se preferir, diga transgênico. Afinal, essa é a palavra da moda principalmente no que se refere à soja transgênica. E não pense que tal semente está longe das prateleiras dos supermercados. Diversos produtos contem matéria prima transgênica, embora esse detalhe ainda esteja ausente dos rótulos.

MEDIDA PROVISÓRIA
A noticia foi destaque na mídia durante a semana: o plantio desse tipo de soja foi autorizado, através de Medida Provisória, unicamente para a safra que começa a ser plantada em outubro. Em breve, o Governo Federal deverá enviar um projeto de lei ao Congresso Nacional para regulamentar a questão da biotecnologia em todo o país.
A liberação divide opiniões no Paraná, o principal estado produtor de soja tradicional do país. Tanto os que defendem e os contrários ao plantio de transgênicos são obrigados a debater diversas questões inerentes a novidade, englobando o lado comercial, social, legal e biológico. No último caso, está em questão a saúde do consumidor.
O governador Roberto Requião já se posicionou. Acha “uma tolice” a idéia de tentar identificar a soja transgênica da tradicional. Como a transgênica é dominante, dificilmente os portos poderiam separar os grãos porque ambos tipos de soja são misturados nos silos. E esse é apenas um dos argumentos.

RASTREAMENTO
Para o presidente da Cocamar, Luiz Lourenço, será possível rastrear a soja, plantando as duas variedades (tradicional e transgênica) na mesma região e manter separadas na colheita, armazenamento e processamento. As mudanças e instalações necessárias, principalmente no armazenamento, devem ocorrer assim que produção de transgênicos passar de 1 %.
A Cocamar aprova os transgênicos. A intenção é levar alternativas ao produtor, tanto para o plantio da soja tradicional como da transgênica. Caberá ao consumidor – interno e externo - definir qual o tipo de produto a ser comprado. Admite que o rastreamento da soja transgênica é possível, mas não será fácil.

RASTREABILIDADE
A rastreabilidade da Cocamar consistiria na venda da semente ao produtor e o acompanhamento desde o plantio até a colheita, sempre separando a soja tradicional da transgênica. Quando a soja está misturada no campo, a separação somente poderá ser feita no momento da entrega.
Neste caso, um teste pode dizer se há soja transgênica na entrega, mas ele não revela qual a quantidade, se é de 1% ou 60%. Para saber o percentual certo, o teste demoraria cerca de 15 dias. Isso é impossível para uma empresa como a Cocamar que recebe até dois mil caminhões do produto por dia no período de colheita.

RESISTÊNCIA
Lourenço divide a questão dos transgênicos entre o lado científico e ideológico. No primeiro, garante que não há nenhuma restrição pelos grandes órgãos de fiscalização mundial contra o uso de transgênicos. Já a discussão ideológica se calca nos posicionamentos de Organização Não Governamentais (ONG).
O presidente da Cocamar entende que essas ONGs trabalham pra impedir o crescimento da agricultura em paises subdesenvolvidos, deixando as terras para reservas indígenas ou ecológicas. Estariam, segundo ele, a serviço de terceiros para impedir a competitividade do Brasil no mercado internacional. “ O WWF (famosa ONG de defesa do meio ambiente) pertence a casa de Windsor que tenta há muitos anos a hegemonia do mundo”.

MONOPÓLIO
Em relação às criticas sobre o monopólio da soja transgênica por uma empresa multinacional (Monsanto), tais observações acabam “menosprezando” a inteligência do produtor. “Hoje se planta soja tradicional. Alguém que hoje planta a tradicional trocaria por um monopólio? É claro que não. Porque haverá paralelamente a tecnologia tradicional e a tecnologia de Roundup Ready (desenvolvida pela multina-cional Monsanto)”.
Ou seja, aquele produtor que não quiser obter algum ganho, pode voltar tranqüilamente para a cultura tradicional. “A Monsanto é a primeira multinacional com a tecnologia ,mas temos muitas outras que serão ofertadas ao mercado. Nenhum produtor vai optar em pagar mais para produzir menos. Quem opta pelo transgênico é porque é mais produtivo, mais fácil de ser trabalhado”.

PREOCUPAÇÃO
A Cocamar pretende fazer a rastreabilidade, mas tem dúvida se há comprador para o produto transgênico. “A prática mostra que hoje você tem um produto não transgênico certificado, mas o preço é o mesmo. Tem mais comprador, mas paga a mesma coisa. Se você quer um produto diferenciado, deveria pagar mais por ele”.
O chefe regional da Secretaria de Abastecimento e Agricultura (Seab), Renato Cardoso Machado, também defende a rastreabilidade, mas acredita que não haverá semente transgênica suficiente. Sua preocupação maior é que o Paraná está comercializando bem a soja tradicional, conseguindo um bom preço no mercado externo, superando os Estados Unidos em exportação.
Portanto, a liberação da soja transgênica o preocupa. “Os Estados Unidos estão interessados na liberação de nossa soja transgênica. Meu medo é que eles passem a produzir a mesma soja se favorecendo do subsídio deles, no futuro. Se todos os países tiveram somente soja transgênica para vender, vamos ter que competir com os Estados Unidos e os subsídios”.
E sobre a rastreabilidade, Machado acredita que haverá dificuldades técnicas e operacionais nesse acompanhamento. Isso inclui a comercialização, a colheita, o transporte e o armazenamento. Portanto, ainda é cedo para detectar como será a reação dos produtores e compradores.

CRÍTICAS

A polêmica sobre os transgênicos é acompanhada de perto pelo diretor municipal de Agricultura, Élson Borges. Ele não emite opinião como membro da administração municipal, mas na qualidade de engenheiro agrônomo pós-graduado pela UEM e especialista nas culturas orgânicas e alternativas de baixo custo.

Na área econômica, a soja transgênica estaria perdendo mercado no mundo pois os consumidores europeus e japoneses estão optando por produtos naturais, como a soja tradicional. Querem ter opção de compra diante do domínio de mercado pelos transgênicos. O Brasil perderá mercado se abandonar a cultura da soja tradicional.

O Rio Grande do Sul, estado que planta ilegalmente a soja transgênica, não estaria conseguindo mercado para esse produto. Bem ao contrário do Paraná. Assim, o Brasil já trabalha, na prática, com os dois tipos de soja.

Outro fator econômico é que a Monsanto controla 90% das sementes transgênicas do mundo e os brasileiros não possuem sementes certificadas para plantar. No total, são cinco grandes multinacionais por detrás dessa tecnologia.Com essa lógica, Borges acha uma balela quando falam que os transgênicos poderão acabar com a fome do mundo.

Ocorre que a produção mundial de alimentos já seria o suficiente para acabar com a miséria no terceiro mundo. O problema se concentra na distribuição dessa riqueza e não se espera que isso seja resolvido pelas multinacionais.

Borges também não aceita o argumento de que o plantio da soja tradicional se torne oneroso no futuro, em relação ao produto transgênico. “A soja transgênica aparenta ser vantajosa para o produtor em curto prazo. O Rio Grande do sul produz 2,4 mil quilos por hectares desse tipo de soja. O Paraná, com a tradicional, produz até 3 mil. Essa produtividade compensa”.
É certo que nos primeiros anos, se aplica menos herbicida na soja transgênica, mas a natureza tem mecanismos de compensação. “Com o tempo, é possível que ao invés de diminuir a aplicação de herbicida, o produtor tenha que aumentar a aplicação diante das modificações naturais. Quando você mexe na cadeia e elimina um ser da natureza, outro o substitui. Muitas vezes com prejuízos para a atividade humana. Sempre foi assim”.

A médio e longo prazo, a liberação da soja transgênica no Paraná vai atingir principalmente os pequenos e médios produtores rurais. Os produtores vão perder o domínio sobre aquilo que é fundamental para a agricultura, a semente. Como categoria social, eles ainda têm um domínio relativo sobre elas.

“Os transgênicos vão acabar com os pequenos produtores pois eles terão que comprar as sementes a cada ano”, afirma. As perdas levarão os agricultores à dependência da multinacional, inclusive os grandes. Hoje, alguns pequenos produtores têm condições de produzir, dentro de um limite legal, a semente tradicional.

Borges também desconfia que os alimentos transgênicos podem causar algum dano a saúde do consumidor. “Comemos arroz há 15 mil anos e a soja transgênica é algo não natural. Deus perdoa sempre, a natureza nunca. Se existem dúvidas, por que não esperamos mais 10 anos?”.

SEM PROBLEMAS

William Mário de Carvalho Nunes, diretor do Centro de Ciências Agrárias da UEM, tenta desmistificar a questão dos transgênicos. Tanta celeuma esconde questões econômicas, mas sob o ponto de vista científico, ainda se desconhece se haverá algum malefício provocado pela semente modificada geneticamente.

O princípio da transformação feita nessa soja, é a proteína de um gene (PPSPS) proveniente de uma bactéria do solo. Já foram registrados casos de pessoas que tiveram alergia ao consumir produtos a base de soja, mas isso se aplica tanto ao cereal transgênico como o tradicional.

“Quando a mídia ressalta que os produtos geneticamente modificados causam prejuízos a saúde da população, acaba provocando dificuldades na discussão do problema”, observa. A insulina humana, utilizada pelos diabéticos, também passa por um processo semelhante sem nunca ter causado tanta discussão.

No ponto de vista comercial, o cientista sugere a rotulação dos produtos da mesma forma como existem alimentos e bebidas “light” e “diet”. Seria a melhor forma de informar o consumidor.

Resumo da ópera: a questão dos transgênicos é um misto de preocupação social, interesse econômico, exageros, mitos e ditos. Se a presença desse tipo de produto na nossa mesa é irreversível, devemos observar nossos direitos sobre aquilo que estamos consumindo e a melhor forma de enfrentar um mercado mundial cada vez mais competitivo. A biotecnologia, a ciência da nova era, é uma discussão sem ponto final.

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